Líbano: Julgamento internacional soa alarmes regionais

O Tribunal Especial para o Líbano deslanchou nos julgamentos sobre a explosão que matou o ex-premiê libanês Rafik Hariri, em 2005, há poucos dias, quase cinco anos depois do seu estabelecimento. Nesta segunda-feira (27), um bombeiro da capital, Beirute, prestou testemunho em um processo que levanta questões fundamentais sobre a conjuntura política regional e a interferência exterior.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho

Assinato de Rafik Hariri Líbano - Reuters

Baseado na capital mundial do direito penal internacional, Haia, na Holanda, o Tribunal Especial para o Líbano (TEL) abriga diversas controvérsias sobre esta modalidade de julgamento, a começar pelo seu caráter ad hoc, ou seja, por ter sido criado especificamente para um caso já ocorrido no passado, assim como o seu estabelecimento no exterior do país.

As duas características, porém, também são amplamente respaldadas por juristas e cientistas políticos, levando em consideração a “luta contra a impunidade” no caso de conflitos armados ou guerras e a estabilidade política e securitária necessária para a condução do processo, embora a distância entre ele e a nação à qual diz respeito também seja um fator de complicação para garantir apoio e legitimidade.

O TEL conduz três casos diferentes, entre eles, o do assassinato de Hariri e outras 21 vítimas de uma explosão em Beirute, em 14 de fevereiro de 2005. O episódio foi usado e manipulado politicamente, sobretudo pela direita libanesa e por atores ocidentais e regionais para acusações ainda infundadas contra o partido e movimento de resistência islâmica, Hezbolá, e contra o governo da Síria.

Ambos, o Hezbolá e o envolvimento da Síria na política libanesa, estão entre as pedras angulares da disputa política nacional. A direita libanesa, hoje representada dentro da Aliança 14 de Março, instrumentaliza o caso para promover uma agenda contrária à participação política do Hezbolá no governo e à sua atuação armada na defesa do território libanês, tanto contra as frequentes agressões de Israel quanto, atualmente, na proteção da fronteira contra os grupos extremistas que lutam na Síria, contra o governo e o povo vizinho.

“Ayyash et al.”: A morte de Hariri
e o Oriente Médio

Khaled Toubaili testemunhou diante do TEL nesta segunda-feira (27), no julgamento do caso Ayyash et al. (STL-11-01), sobre a morte de Hariri e mais 21 pessoas. Toubaili detalhou as primeiras cenas encontradas após a explosão do carro-bomba e disse que nunca havia visto “tamanha destruição” em seus 38 anos de carreira.

“Quando cheguei com a minha equipe, era impossível ver qualquer coisa (…). Estava tudo negro principalmente por causa das colunas de fumaça.” Ele disse que os escombros e os veículos em chamas espalhados pela rua impediram os caminhões dos bombeiros de chegar próximo ao local da explosão, o que foi mostrado pela promotoria através de uma gravação de vídeo e por ele, através de uma maquete.

Três audiências sobre o caso foram realizadas nas duas últimas semanas, enquanto as questões procedimentais, inclusive sobre as testemunhas, dominaram a página de notícias do tribunal, como é usual neste tipo de órgão, quando ele se propõe a garantir alguma transparência e a facilitar o acompanhamento do processo.

Entretanto, em entrevista recente à agência francesa de notícias AFP, o presidente da Síria, Bashar Al-Assad, cujo governo é veementemente acusado pela direita libanesa – novamente, sem evidências que apoiem a alegação – questionou o impulso ao caso neste momento, nove anos depois do ocorrido e cinco anos depois do estabelecimento do TEL.

Na quarta-feira (22), mesmo dia em que se iniciava a Conferência Internacional sobre a Síria, “Genebra 2”, a segunda audiência do ano consistia na primeira apresentação de evidências pelo promotor canadense Norman Farrel – cujo currículo inclui outros tribunais ad hoc, como o dedicado ao Ruanda e o centrado nos eventos da antiga Iugoslávia, já que Farrel especializou-se no direito penal internacional.

De acordo com o portal do TEL, Salim Jamil Ayyash, Mustafa Amine Badreddine, Hussein Hassan Oneissi e Assad Hassan Sabra são os acusados por vários crimes sob o Artigo 2º do estatuto do TEL e sob o Código Penal Libanês por seus supostos papéis como conspiradores do ataque de 2005, que resultou na morte de 22 indivíduos e em 226 feridos.


   Filho de Rafik Hariri, o ex-premiê Saad Hariri, do partido direitista Movimento do Futuro, é um dos principais
   vocalizadores das acusações contra a Síria e o Hezbolá, e parece ter conseguido um trampolim político desde a
   morte do pai, embora não tenha logrado manter-se no cargo de primeiro-ministro. Ao fundo, uma multidão e a foto
   de Rafik Hariri.

A promotoria apresenta o caso contra Ayyash e os outros acusados em três partes: a sua abertura, na quarta-feira (22), dedicava-se aos eventos do dia da explosão, enquanto a segunda e a terceira sessão abordam "evidências relacionadas com as telecomunicações," de acordo com o portal do tribunal.

Nove anos depois da explosão e cinco anos após o seu estabelecimento, o TEL alavanca um processo que promete se arrastar, enquanto as questões políticas diretamente ligadas a ele – o papel do Hezbolá e da Síria na política e na defesa regional – também enfrentam um clímax alarmante sobre o futuro do Oriente Médio.

Todas estas questões também estão ligadas à hipótese menos explorada até o momento pelas entidades competentes: o papel do regime de Israel que, à época do ocorrido, era liderado pelo ex-primeiro-ministro Ariel Sharon, famigerado pelos massacres, pela opressão e pelas agressões contra palestinos e contra os seus vizinhos, principalmente os libaneses, com táticas militares e estratégias destinadas à desestabilização e à fragmentação nacional entre os árabes.