Mário Albuquerque: A vaca e os carrapatos

Por *Mário Albuquerque

É impressionante como o modus operandi do establishment político e institucional brasileiro mantêm o mesmo padrão de resposta quando tem que posicionar-se diante de processos de mudanças sociais. Em 1937, um falso “Plano Cohen”, de um suposto golpe comunista, foi o álibi para a instauração da ditadura estado novista.

Nos anos 60, novamente o fantasma do comunismo (de uma inexistente revolução em marcha) foi explorado exaustivamente por diversos agentes políticos e sociais para gerar um clima de medo e histeria e assim justificar, em 1961, a tentativa de impedir a posse do vice-presidente constitucional João Goulart, como sucessor do presidente renunciante, Jânio Quadros, e em seguida, justificar o fatídico golpe de 64 que o depôs, jogando o país numa longa e tenebrosa ditadura de 21 anos nos legando uma estrutura jurídica profundamente autoritária que até hoje perdura em muitos dos seus aspectos.

Agora, mais uma vez, o vampiro se manifesta trasvestido de projeto de lei em trâmite no Senado, tipificando o crime de terrorismo (curiosamente isso ocorre após as vigorosas e alentadoras manifestações encabeçadas pelos movimentos sociais que levaram milhares de cidadãos às ruas). Trata-se da velha receita de “matar a vaca para livrá-la dos carrapatos”. Já está sobejamente demonstrado que nosso país não sofre qualquer ameaça terrorista, embora, de vez em quando, setores da mídia desenterrem a tal Tríplice Fronteira como área onde essa ameaça seria real.

Mas, esta ameaça só dura o tempo suficiente de um programa do Fantástico e de uma edição da Veja, pelo ridículo que é. A generalidade da tipificação de terrorismo (“infundir terror ou pânico generalizado”; “incitar o terrorismo”), constante no projeto de lei do Senado é de tal ordem elástica e imprecisa que reforça a suspeita de vários setores quanto ao seu verdadeiro objetivo: conter a participação social dos estratos mais baixos da sociedade nos limites da “democracia possível” e afastar as “classes perigosas” das decisões políticas. Chama a atenção que alguns segmentos de esquerda caiam.

*Mário Albuquerque é conselheiro da Comissão Nacional de Anistia (Ministério da Justiça)

Fonte: O Povo

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