Chanceler dos EUA critica política externa de "nação pobre"

Contrário à percepção de decadência na política externa dos Estados Unidos, o secretário de Estado John Kerry rechaçou o “novo isolacionismo”, na quarta-feira (26). Sua crítica emerge no mesmo contexto das análises progressistas sobre a decadência relativa do papel global dos EUA, devido à resistência anti-imperialista, mas, primordialmente, aos efeitos da crise internacional no país, que demonstram a insustentabilidade da ideologia hegemonista.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho

John Kerry - AFP

No início da semana, fontes ligadas ao secretário de Defesa dos EUA Chuck Hagel indicaram ao jornal The New York Times que ele prepara uma proposta de redução expressiva das Forças Armadas, sobretudo na parte dos efetivos militares, buscando a maior “eficiência” do Exército, quase em termos comerciais sobre a "produtividade".

Além disso, alguns grupos influentes na academia e na política estadunidense têm analisado a possibilidade de menor atuação e envolvimento dos Estados Unidos nas questões globais, sobretudo as mais dispendiosas, com foco para as intervenções militares.

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Ao mesmo tempo em que pode refletir uma reação às demandas populares – cada vez menos cidadãos apoiam a política imperialista, por diversas questões – e ao contexto político internacional, o apoio à menor projeção do país tem em vista, principalmente, a necessidade de redução dos gastos, com ênfase para o setor de Defesa.

Neste sentido, Kerry disse que a tendência de um “novo isolacionismo” – referência à política externa norte-americana prevalente até o fim do século 19, reformulada para colocar os EUA à frente das relações internacionais como potência hegemônica – sugere o comportamento de uma “nação pobre”.

Em declarações à mídia, o secretário de Estado – cargo correspondente ao de ministro das Relações Exteriores, no Brasil – disse discordar com a tendência, nos Estados Unidos, de retirada do cenário internacional, enquanto ressaltou o envolvimento em “esforços diplomáticos” para mediar a resolução do conflito Israelense-Palestino e o da Síria – embora o país venha agindo, de fato, como parte envolvida nas questões. A “retirada” percebida por muitos deriva da menor propensão às intervenções militares dispendiosas política e, principalmente, economicamente.

Orçamento em tempos de crise

A discussão entre os grupos políticos nos EUA sobre o posicionamento internacional da potência imperialista é ligada diretamente ao debate sobre o orçamento público. O presidente Barack Obama deve apresentar a sua proposta na próxima terça-feira (4/3), após o aumento recente do limite da dívida, já em mais de US$ 1,7 trilhões.

Paradoxalmente, Kerry disse que um orçamento mais modesto, defendido principalmente pelos republicanos conservadores, pode “limitar a influência dos Estados Unidos sobre o mundo.” Além disso, o secretário de Estado disse que os que defendem uma atuação internacional “de nação pobre” não percebem a conexão entre o engajamento do país no exterior, a sua economia, os seus próprios empregos e os "interesses mais abrangentes".

No fim do ano passado, após uma disputa política que levou à suspensão do governo – devido à impossibilidade de realizar gastos antes da definição do orçamento –, republicanos e democratas entraram em um acordo sobre o próximo documento, que contará com os cortes demandados pelos republicanos.

Neste sentido, o Departamento de Estado terá um orçamento ligeiramente reduzido, de acordo com Kerry, o que seria contrário às necessidades do país e à vontade do próprio Obama. Para explicar a sua perspectiva sobre os desentendimentos políticos, ele citou o apoio insuficiente no Congresso ao plano do presidente sobre o lançamento de um ataque aéreo contra a Síria, no ano passado.

Kerry pontuou o orçamento do seu departamento, os esforços necessários para conseguir apoio para o uso da força militar e o posicionamento da Câmara dos Deputados contra o orçamento e contra a dimensão militar do Estado como pontos que “diminuem a nossa capacidade de fazer as coisas”.

Enquanto vigorar na agenda política e acadêmica dos EUA a busca por formas de manter a projeção obsoleta de uma potência imperialista com domínio sobre o mundo, as repetidas crises do capitalismo devem rminar a base deste posicionamento, demonstrando que a formulação da política externa em fundamentos militaristas e hegemonistas é insustentável. Entretanto, aqueles que insistem em agarrar-se à noção de um "destino manifesto" estadunidense de governar o globo lutam pela reformulação da política intervencionista como se tratasse da sobrevivência nacional.