Pablo Stefanoni: Por que Evo Morales continua ganhando?
Uma pesquisa publicada recentemente deu a Evo Morales mais de 45% das intenções de voto e 32 pontos de diferença com seu concorrente mais próximo para as eleições do final deste ano, o político e empresário Samuel Doria Medina.
Por Pablo Stefanoni, na Carta Maior
Publicado 10/03/2014 17:07
Como as populações rurais não estão inclusas neste tipo de pesquisa, estima-se que poderia ampliar essa porcentagem e superar os 50%. Inclusive, mesmo se isso não acontecesse, já ganharia, segundo a lei boliviana, no primeiro turno. Mas a que se deve, em seu oitavo ano de governo, o fato de o “primeiro presidente indígena” colher tais resultados em um país conhecido pela instabilidade política e onde, em 17 de outubro de 2003, o então presidente –Gonzalo Sánchez de Lozada– precisou abandonar apressadamente o poder e fugir de helicóptero, primeiro a Santa Cruz e, mais tarde, para os EUA? Sem dúvidas, a resposta reside em dois planos: o econômico e o político simbólico.
Morales conta com recursos públicos com os que nenhum de seus antecessores se atreveu sequer a sonhar graças ao “vento da cola”, mas também a uma política econômica que combinou nacionalização de hidrocarbonetos, aumento dos impostos para as petroleiras e uma gestão macroeconômica cuidadosa dos equilíbrios fiscais que lhe permitiu acumular reservas recorde: quase 15 bilhões de dólares, equivalente a mais de 50% do PIB (porcentualmente uma das mais altas do mundo). Isto lhe dá, sem dúvidas, uma grande blindagem, ainda que não deixe de representar uma visão bastante ortodoxa da administração da macroeconômica nacional. Não se pode esquecer que a esquerda boliviana ficou marcada pelo “trauma da hiperinflação” depois que, em 1985, o então governo, presidido por Hernán Siles Zuazo, devia ter adiantado a transmissão do mandato.
Mas, além disso, Morales transformou exitosamente cada uma de suas medidas em “atos de refundação”. Para isso, contou com a vantagem de ser, além de um chefe de Estado, um “presidente símbolo” de ruptura dos tetos e paredes de cristal que excluíam as maiorias indígena de muitos espaços da vida social. Seu projeto de reeleição vai dar continuidade a várias medidas de alto impacto, uma delas é o primeiro satélite boliviano.
Em dezembro do ano passado, foi lançado, na China, o satélite de comunicações Tupac Katari (TKsat 1). Morales presenciou o ato – transmitido por telões gigantes na frente do Palácio do Governo – abri – abrigado para o polar inverno chinês.
Antes do lançamento do satélite – construído pela Corporação Industrial Grande Muralha por um valor de 300 milhões de dólares – colocou em funcionamento a Agência Boliviana Espacial e enviou 64 engenheiros para serem capacitados na Agência Espacial Chinesa. Já em sua órbita geoestacionária, os chineses deram à Bolívia o controle do satélite que tem o nome do líder aimará que, no século dezoito, encabeçou um emblemático levante contra o domínio colonial espanhol.
Sua meta é expandir os serviços de internet e de telefonia celular, especialmente nas áreas rurais, e o material publicitário não economizou em exageros e falou em “descolonizar” o espaço.
A conjuntura política deste ano eleitoral é muito diferente da de 2009, quando Evo ganhou com 64% dos votos em meio a uma guerra regional com Santa Cruz. Se naqueles anos o presidente podia somente pisar naquela região agroindustrial do país, no ano passado foi convidado para inaugurar a Expocruz, a principal feira da “oligarquia” local, revelando que um setor do empresariado abandonou sua postura radical e decidiu aproveitar o boom econômico para fazer mais negócios e menos política. Outros deixaram o país. Ganhar as regiões autonomistas é parte da meta de seu governo.
A próxima reunião do G77 em Santa Cruz de la Sierra será também aproveitada pelo governo para selar aproximações com as elites locais com a promessa de recursos, negócios e exposição internacional. Recentemente, um programa de negócios da CNN deu à Bolívia a “medalha de ouro” por seu desempenho econômico e o FMI lhe deu vários elogios; o New York Times destaca que muitos consideram Evo “prudente”, apesar das expropriações de empresas privadas. E destaca que “do acordo com o Fundo Monetário, a Bolívia tem a maior proporção no mundo das reservas internacional para o tamanho de sua economia, depois de ter superado recentemente, destaca que “de acordo com o Fundo Monetário, a Bolívia tem a maior proporção do mundo das reservas internacionais para o tamanho de sua economia, depois de ter recentemente superado a China nesse sentido”, publicou o jornal norte-americano. (“Turnabout in Bolivia as Economy Rises From Instability”, NYT, 15/2/12014).
Luis Arce Catacora é um dos ministros de economia que mais durou no cargo: está no gabinete desde 2006 e disse que é possível ter “uma política socialista com o equilíbrio macroeconômico”.
Para intelectuais radicais como James Petras, tudo isso evidencia a traição do “mais radical dos conservadores ou o mais conservador dos radicais” – como definiu Morales –, mas, à luz do que acontece na Venezuela, essa administração “ortodoxa” da economia poderia ser agradecida por parte da população. Tudo isso não tira, sem dúvidas, o fato de que “o que falta” ainda ser muito na Bolívia: saúde, novo modelo produtivo – menos dependente das matérias-primas e do comércio informal, sobretudo se o boom internacional das commodities diminuir – trabalho infantil, institucionalidade mais sólida e vários et ceteras.
Evo Morales já não é “a mudança” como em 2005, nem o “enterrador da oligarquia” de 2009. Sua meta agora é convencer os eleitores dos benefícios da “estabilidade” – como se percebe no aumento do consumo e em um longo período de crescimento. Se conseguir, terá o recorde de ser o presidente boliviano que durou mais tempo no poder, por cima de Andrés de Santa Cruz, o fundador da pátria.
(*) é jornalista e chefe de redação da revista Nueva Sociedad
Tradução: Daniella Cambaúva