Em Gaza, jornalista luta contra bloqueio e ocupação israelense

Majed Abusalama é um jornalista premiado da Faixa de Gaza, que vive no maior campo de refugiados palestino, Jabalia. Diz ele que este é o portão da resistência, com 280 mil residentes: “Costumamos dizer que, enquanto Israel não conseguir invadir o campo, e suas tropas já tentaram, ainda não terá tomado Gaza.” Apesar do bloqueio imposto ao território há quase uma década e de todas as barreiras derivadas, Majed falou com o Vermelho através do Skype.

Por Moara Crivelente, do Portal Vermelho

Majed Abusalama - Conferência de Estudantes Noruegueses

Desde 2007, quando o povo palestino “votou errado” e elegeu o partido islâmico Hamas, a Faixa de Gaza – que faz fronteira com Israel e com o Egito, de 360 quilômetros quadrados e uma população estimada em 1,9 milhão de habitantes – é completamente bloqueada pelo governo israelense e, mais recentemente, pelo egípcio, que mantém fechada a sua passagem Rafah.

Entre os diversos dramas que uma família palestina enfrenta, no território, Majed conta: “meu pai foi prisioneiro político por 18 anos, porque combatia pela liberdade durante as décadas de 1960 e 1970,” integrando a Frente Popular para a Libertação da Palestina em Gaza. O próprio Majed também já foi preso diversas vezes e levou um tiro na perna de soldados israelenses, há dois meses, enquanto plantava oliveiras próximo à fronteira.

Leia também:

Resistência: Peça sobre Mandela também reflete condição palestina
Palestinos reagem à fala de Obama sobre "concessões" a Israel
Frente palestina reage à violência e garante resistência a Israel
Tem início campanha global para denúncia da segregação em Israel
Israel e Palestina: EUA querem prorrogar prazo para negociações

O governo israelense frequentemente divulga, como se tratasse de uma benevolência humanitária, a breve abertura de uma passagem entre o seu território e a Faixa de Gaza, Erez, para a transferência de bens emergenciais ou o trânsito de um número limitado de pessoas, após pedidos reiterados devido a tratamentos de saúde ou para a continuação dos estudos. Ainda assim, são inúmeros os casos dos palestinos que acabaram falecendo antes de conseguir buscar o tratamento adequado.

Majed tenta deixar o território há dois meses para participar das conferências para as quais é convidado em todo o mundo, ou para falar em parlamentos diversos sobre a situação palestina. Nos últimos três meses, conta ele, a passagem de Rafah, que liga ao Egito, só foi temporariamente aberta por nove dias (seis para a peregrinação islâmica a Meca e três para “casos humanitários”).

Ainda assim, ele consegue se comunicar com o mundo e expor a causa palestina através da internet, driblando o racionamento de energia elétrica – Gaza só recebe este serviço precioso por seis horas durante um dia – e o bloqueio físico. Majed planeja: “Devo ir para a República Tcheca, falar no Parlamento” e, “em breve, quero ir à América Latina, ao Brasil, contar sobre a Palestina.”

Efeitos econômicos e políticos em um território sitiado

“Imagine como seria qualquer país que enfrenta um bloqueio há oito anos, sem recursos. O que acontece aqui não é inimaginável, neste sentido. Temos cada vez menos serviços, inclusive os oferecidos pela UNRWA [Agência das Nações Unidas para Assistência e Trabalhos para refugiados palestinos no Oriente Médio], que tem cortado até os seus programas emergenciais.”

Majed denuncia a instrumentalização da assistência financeira e humanitária da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e outras agências europeias, que costumam enviar fundos às autoridades palestinas e à própria agência das Nações Unidas e, assim, contam com mecanismos poderosos para pressionar os palestinos no sentido das suas políticas e posicionamentos. “Eles pensam que, ao suspender a ajuda, estão bloqueando o Hamas, porque discordam dele e das eleições democráticas que o colocaram no poder.”

Entre as consequências diretas da ocupação, no caso da Cisjordânia, e do bloqueio completo a Gaza, Majed enfatizou, em seu relato, a questão da água. “Israel recolhe a maior parte da água dos territórios palestinos. Este é um dos aspectos mais básicos da ocupação, na Cisjordânia – que tem 2/3 das suas reservas roubadas – e em Gaza.” Os colonos israelenses foram removidos de Gaza – um evento transformado em grande drama nacional – em 2005, mas receberam compensação do governo ou foram relocados para colônias na Cisjordânia.

  Foto: Yaser Murtaja

O bloqueio e o condicionamento da assistência financeira internacional também resultam em uma taxa de desemprego de cerca de 70% dos residentes na Faixa de Gaza, diz Majed, dados divulgados inclusive por instituições como o Banco Mundial, com relatórios frequentes sobre o impacto negativo da política israelense. Ainda, continua, “quase 80% das pessoas aqui em Gaza vive abaixo da linha da pobreza e depende de ajuda, porque até mesmo os que recebem salário não podem sobreviver com ele: cerca de US$ 250,” ou R$ 587.

A política israelense é eficiente no empobrecimento dos palestinos porque controla o maior trecho fronteiriço da Faixa de Gaza e patrulha o seu litoral. São diversas as denúncias sobre o ataque da Guarda Costeira israelense contra pescadores palestinos, assim como a redução exponencial da zona de pesca, muito abaixo do acordado e do essencial para a indústria pesqueira. “Não podemos importar açúcar, sal, nem outros bem básicos sem a permissão de Israel. Chega um ponto em que você não precisa mais deles,” diz Majed.

A restrição da movimentação também é extrema para os estrangeiros, para os jornalistas e para os que trabalham com a assistência humanitária. O controle generalizado é uma estratégia de divisão, opina o ativista, que não pode visitar a Cisjordânia palestina: “a maioria das pessoas em Gaza não conhece os palestinos da Cisjordânia, nem vice-versa. Isso é um projeto político.”

O papel do Egito no bloqueio

O governo interino do Egito, inaugurado após a destituição do presidente Mohammed Mursi, em julho de 2013, agravou o bloqueio da Faixa de Gaza, diz Majed. Relatos frequentes sobre as operações militares no deserto do Sinai egípcio, na fronteira com Gaza, culminam na destruição dos “túneis clandestinos” que o governo egípcio, da mesma forma que Israel, alega servirem aos “terroristas”, com o contrabando de armas e militantes.

Entretanto, o papel dos túneis na tentativa de superar o bloqueio serve à importação de produtos tão básicos quanto combustível, cimento e outros materiais de construção, no pastoreio e comercialização de animais domésticos, na compra de bens emergenciais, alimentos e até ao trânsito subterrâneo.

A passagem de Rafah é fechada pelo governo egípcio devido à maior presença dos grupos armados no Sinai, mas “quem paga o preço? Os palestinos,” diz Majed.

  Foto: Yaser Murtaja

Além dos nove dias de abertura temporária citados pelo jornalista, “também houve o caso de um homem que carregou o filho nos braços, pedindo para passar e levá-lo ao hospital, mas muitas pessoas morreram antes,” dependentes de tratamentos médicos, já que faltam vários tipos de remédios e equipamentos hospitalares em Gaza.

“Temos acordos de cooperação com países como a Jordânia e o Egito para o tratamento de doenças cardiovasculares, por exemplo, mas se os pacientes não conseguirem sair de Gaza, morrem aqui mesmo,” conta Majed.

Educação e resistência

Apesar das condições, “a juventude da Faixa de Gaza tem se empenhado pela educação; temos um número cada vez maior de estudantes universitários graduados," explica o jornalista. "A educação é um dos nossos maiores trunfos.” Majed media e participa de vários projetos de cooperação entre estudantes palestinos e estrangeiros, e dedica-se à divulgação da causa Palestina para estudantes de todo o mundo.

Os jovens palestinos, continua, “têm estado bastante abertos à educação e ao mundo, através da internet, apesar do bloqueio e das limitações, como o curto período de seis horas em que dispõem de eletricidade. Apesar de tudo isso, ainda damos um jeito de estudar e de ascender a vela na escuridão.”

Majed contatou estudantes e esteve em países como o Reino Unido, França, Itália, Holanda e muitos outros, participando de conferências e estabelecendo parcerias com estudantes de várias nacionalidades, angariando ativistas para a causa palestina com sucesso.

No ativismo, Majed participou na fundação da Coalizão da Juventude na Intifada (levante popular), em 2011. Em maio daquele ano, a iniciativa organizou a Marcha da Terceira Intifada, em referência aos dois levantes populares de 1987 e de 2000, que resultaram em confrontos diretos com as autoridades israelenses, no protesto e na resistência palestina contra a ocupação.

De forma simbólica, centenas de pessoas na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, Jordânia, Síria e Líbano protestaram diante das fronteiras com Israel, exigindo o cumprimento do direito ao retorno dos refugiados, garantido pelo direito internacional e pela resolução 194 da Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovada ainda em 1948.

  Foto: Yaser Murtaja

Em agosto de 2013, Majed restabeleceu a Coalizão, com maior atuação e representação, além da maior atenção midiática, para a organização dos palestinos, principalmente os da diáspora, em diversos países. Seu empenho é pelas atividades de resistência não violenta e protesto contra a ocupação israelense, exigindo o cumprimento do direito internacional e compondo um espectro importante da luta popular palestina.

Negociações e apoio internacional

Majed explica: “queremos o fim da ocupação em toda a Palestina histórica, mas focamos primeiro em recuperar e estabelecer o nosso Estado nos territórios de 1967,” ou seja, o território definido para o Estado da Palestina pelo consenso internacional, anterior à expansão israelense ilegal decorrente da Guerra dos Seis Dias, naquele ano. “Primeiro trabalhamos por isso, depois, pela recuperação completa.”

São diversos os movimentos palestinos que defendem uma solução de Estado único para a situação atual e para o fim da ocupação israelense, alguns com retórica incisiva – usada pelas autoridades israelenses para afirmar que os palestinos “desejam destruir Israel” e, assim, justificar a sua política opressiva – e outros com a posição esclarecida sobre a busca pela justiça e a igualdade nas relações entre judeus e palestinos (segundo a divisão identitária artificial, de acordo com especialistas, hoje consolidada).

Majed explica que a coalizão não afirma ter uma solução definida para as negociações com Israel, mas o foco principal é o fim da ocupação. Entretanto, o descontentamento com o papel dos Estados Unidos, que se apresentam como mediador, é generalizado, e a posição palestina deve ser a de unidade entre os diferentes partidos e movimentos, com a inclusão de todas as vertentes.

“É importante limpar a nossa casa [através da reconciliação entre os partidos palestinos] e depois partir para as negociações,” diz Majed, que participa dos encontros entre os diversos grupos, através da comissão dedicada aos diálogos entre a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), uma frente composta por 14 partidos, e os partidos islâmicos de Gaza, como o Hamas, no governo. “Estive em várias reuniões, no Egito e em Gaza, mas confiarei no processo quando conseguir vê-lo implementado,” afirma.

Apesar do empenho pela resistência popular e o compromisso com as negociações, Majed enfatiza a necessidade e a urgência de um maior apoio internacional à causa palestina, à responsabilização das autoridades israelenses pela ocupação e pelo bloqueio, expandida e aprofundada enquanto um processo diplomático é mantido retoricamente.

  Foto: Yaser Murtaja

As autoridades israelenses devem entender, diz Majed, “que não podem invadir as minhas terras, roubar o meu lar, instalar postos de controle militar, construir colônias e exigir que continuemos negociando!”

Ativismo internacional

Majed recebeu prêmios jornalísticos como o de Mônaco, em 2010 e o da Unesco, em 2011, entre outros, por escrever sobre a violação dos direitos humanos dos palestinos, a liberdade de expressão e a migração palestina.

Seu trabalho é cada vez mais conhecido na promoção da causa palestina; além disso, ele produziu um documentário da National Geographic intitulado “Conflict Zone” (“Zona de Conflito”) e outro chamado “The Cultural Life of Politics” (“A Vida Cultural da Política”), também sobre Gaza, com a televisão pública da Alemanha.

Seus projetos são diversos, dinâmicos e contam com vários ativistas, palestinos e estrangeiros, solidários às suas causas. “Mas eu estou muito cansado,” desabafa; cansado de lutar por direitos humanos tão básicos, negligenciados pela sociedade internacional em geral e violados diariamente pelas autoridades israelenses.

Majed transita entre o entusiasmo que um ativista precisa manter – para continuar a organizar campanhas, transmitir a sua luta e angariar mais apoiadores – e a frustração que só a situação palestina atual pode explicar. “Espero que a sua matéria seja forte, que transmita ao Brasil a nossa condição e que contribua para o país apoiar a causa palestina de maneira mais firme,” diz ele, ao se despedir, após uma hora de conversa e com a esperança de um fim para o bloqueio e a ocupação israelense da Palestina.