Paul Krugman:  Bilionários enfurecidos

Lá vem mais um bilionário que acha que qualquer pessoa que fale sobre desigualdade de renda é um nazista; desta vez é Ken Langone, cofundador da Home Depot. Deve haver muitos desses caras.

Por Paul Krugman*, na Carta Capital 

Quer dizer, não existem tantos bilionários. Diversos exemplares do gênero que não apenas acredita que os progressistas são iguais a Hitler, como diz isso em público, devem indicar que uma parcela substancial de nossos bilionários compartilha essa crença.

Um artigo de Jonathan Cohn sobre Langone no The New Republic me lembrou uma arenga anterior do mesmo sujeito na Bloomberg TV, em que ele denunciou este que vos escreve e meus “pensamentos e ideias pretensiosos”.

Langone estava furioso contra mim, mas não, supostamente, contra ideias “pretensiosas” em geral: Langone não pode ser um homem burro, e tenho certeza de que, quando se trata, por exemplo, de sistemas de informática para gerenciamento de inventários, ele aceita de bom grado a ideia de que algumas coisas são técnicas e exigem certo conhecimento.

Acho que duas coisas o deixam furioso. Primeiro, a ideia de que entender de economia possa envolver alguma perícia especial. Esse é um problema muito comum entre os ricos, especialmente entre os self-made men: pensam que seu sucesso financeiro significa que compreendem o sistema econômico, e reagem à ideia de que a macroeconomia pode ser mais que a soma de estratégias empresariais individuais.

A outra fonte dessa raiva é sua fúria contra a ideia de que às vezes a escassez não predomina. Para muitas pessoas da direita, tem de ser verdade que a prosperidade é limitada pela disposição das pessoas produtivas a produzir. A ideia de que às vezes o problema é uma falta de demanda, que a falha é um defeito do sistema em vez de uma falta de esforço suficiente, é heresia. Entre outras coisas, isso sugere que às vezes as pessoas têm sucesso ou fracassam por motivos que não têm nada a ver com seus talentos e virtudes pessoais, ou falta deles. Sugestão que homens como Langone, que acreditam que seu sucesso pessoal foi totalmente merecido, acham profundamente ofensiva.

E por isso, quando alguém diz que esta é uma economia deprimida em que os déficits não pressionam os gastos privados, e em que imprimir dinheiro não significa inflação que expropria sua suada riqueza, eles não escutam, nem dão atenção às evidências. Tomam como afronta pessoal e gritam sobre pretensões absurdas.

Noah Smith, professor na Universidade Stony Brook, escreveu sobre o “macrocânone das finanças”. É a visão de que a emissão de dinheiro e os déficits levam a uma inflação disparada, e outros argumentos sobre por que o dinheiro fácil é uma coisa terrível, mesmo em economia deprimida.

Essa opinião ainda domina Wall Street. Eu tive várias conversas com pessoas da indústria financeira que falam com certa admiração sobre o fracasso da alta inflação e o dólar em queda se materializarem, porque “todos os especialistas” lhes disseram para esperar esse resultado.

O dinheiro inteligente de Wall Street não compra esse cânone. Jan Hatzius, economista-chefe do Goldman Sachs, e o resto do grupo econômico de lá estão contando com uma estrutura macroeconômica subjacente praticamente idêntica à minha e reduziram constantemente os riscos do dinheiro fácil e dos déficits. Mas os grandes plebeus de terno Armani aparentemente não sabem disso.

O que torna isso peculiar é como o cânone continua dominando, apesar de ter falhado. Nos EUA, o déficit orçamentário como proporção do PIB e o índice de crescimento da base monetária explodiram para níveis sem precedentes nos últimos anos, mas a inflação está abaixo da meta.

Como pode essa falha desastrosa das previsões do cânone ter deixado de prejudicar sua predominância? O interesse de classe possivelmente explica as exigências políticas: dinheiro apertado é o que os rentistas sempre querem. Mas a maioria dos consumidores dessa análise ruim está tentando ganhar dinheiro, então qual é a vantagem para eles?

Smith sugere que é a necessidade de ilusão de conhecimento, o que por si só não explica por que os especuladores irritados dominam tão completamente. Tem de ser político em algum sentido; o cânone atrai o preconceito dos velhos homens brancos irritados com dinheiro para investir. Mas é surpreendente como esses preconceitos foram pouco abalados por falhar.

*Paul Krugman é autor de mais de 20 livros e professor de Princeton. Em 2008, foi premiado com o Nobel de Economia.