Exército impede performance em alusão a desaparecidos políticos

A ação encabeçada pelo Coletivo Aparecidos Políticos fazia parte da programação do 65º Salão de Abril.

Prevista para acontecer na tarde da última terça-feira (15/04), nas imediações do 23º BC (local onde funcionou um centro de detenção e tortura no Ceará), a performance inserida na programação do 65º Salão de Abril, visava jogar, de um avião, cerca de 140 paraquedas de brinquedo coloridos contento as imagens dos rostos dos mortos e desaparecidos políticos da ditadura militar.

A denominada “Operação Carcará”, em alusão ao símbolo da Ação Libertadora Nacional (ALN) do Ceará, foi impedida pelo Comando da 10ª Região Militar. A alegação, segundo os membros do Coletivo, era que o espaço aéreo estava bloqueado, com a proibição de sobrevoo na faixa do aeroporto até a praia.

Sobre o impedimento, o Coletivo Aparecidos Políticos divulgou nota na noite da última quarta-feira (16/04), onde destaca o “autoritarismo, o déficit democrático e o poder simbólico e institucional que as Forças Armadas ainda exercem sobre a sociedade, papel ainda mantido pela Constituição Federal de 1988”. “A proibição da ação performática demonstrou o quão frágil é nossa democracia tutelada e o quanto de resquícios do regime ainda permanece”, acrescenta.

Leia a seguir a íntegra do documento:

Operação Carcará: Diário de Bordo

O Coletivo Aparecidos Políticos, grupo de arte ativista formado por artistas cearenses que desde 2010 atua com temas ligados ao direito à memória, à verdade e à justiça, vem se pronunciar sobre os últimos acontecimentos e desdobramentos em torno da performance premiada no tradicional e histórico 65º Salão de Abril, da Secretaria de Cultura de Fortaleza.

Aproveitando o momento do debate propiciado pelos 50 anos do Golpe Militar de 1964, nosso Coletivo propôs, dentro da programação do 65º Salão de Abril de Fortaleza, a “Operação Carcará”, que consistia em jogar, desde o céu, pequenos paraquedas coloridos (em material plástico com cerca de 30 cm e 60 gramas, cada), contendo imagens de alguns dos mortos e desaparecidos políticos da ditadura. A ação performática seria realizada em via pública, nas imediações do 23º BC, na Avenida 13 de Maio, em Fortaleza – CE, local onde funcionou um centro institucional de detenção e tortura, do qual dezenas de presos políticos passaram durante o regime militar.

A performance teve o devido aceite pela empresa aérea contratada. Ocorre que, em razão da assessoria de imprensa que um evento como o Salão de Abril exige – um dos eventos de maior envergadura no cenário cultural brasileiro, ocorrendo desde 1944 -, o projeto performático logo se propagou nas redes sociais, anunciado nos principais veículos de comunicação da cidade, o que acarretou em estado de alerta das forças de segurança.

A “Operação Carcará” foi iniciada às 16 horas. Na pista, logo após a decolagem, a aeronave é surpreendida com a proibição de voo sentido esquerda, pois o espaço aéreo havia sido bloqueado, no trecho que engloba o aeroporto ao litoral, desde a manhã desse dia, o que inviabilizaria um sobrevoo no bairro Benfica. Por uma questão de segurança, aterrissamos. Em seguida, solicitamos liberação de voo sentido direita, visando as imediações do Castelão, sem, contudo, obter resposta da Torre de Comando. Passaram-se dez minutos, fomos surpreendidos por um funcionário da empresa de taxi aéreo, que ordenou a paralisação da aeronave, informando que houve intervenção do Comando da 10ª Região Militar. Nesse momento, helicópteros do CIOPAER surgem, sobrevoando o local onde estávamos.

Enquanto isso se via grande burburinho nas imediações da Avenida 13 de maio, com caminhões da Polícia do Exército trafegando na via, e intensa movimentação no interior do 23º Batalhão de Caçadores.

A título de esclarecimento, a Região Militar é um comando administrativo do Exército Brasileiro, encarregado da defesa territorial e do apoio logístico às Organizações Militares da Força Terrestre. Em seus regulamentos, não há gerência sobre o espaço aéreo, nem lhe cabe autorizar ou proibir quaisquer atividade relativa à aviação civil.

Aqui colocamos que a “Operação Carcará”, bem como todas as atividades realizadas por nosso Coletivo, seja ela na rua ou em espaços institucionais, não é permeada por revanchismo ou vingança contra os Militares, mas, sim, pela necessidade real de levar para a sociedade a verdade histórica sobre as mortes, os desaparecimentos forçados e torturas ocorridas durante Ditadura Civil Militar de 1964-1985, assim como os resquícios que permanecem até hoje.

O golpe de 1964 deixou várias heranças que ensejam uma reflexão sobre seu caráter e legado para a sociedade brasileira. E aqui queremos falar especialmente do autoritarismo, do déficit democrático e do poder simbólico e institucional que as Forças Armadas ainda exercem sobre a sociedade, papel ainda mantido pela Constituição Federal de 1988.

A proibição da ação performática demonstrou o quão frágil é nossa democracia tutelada e o quanto de resquícios do regime ainda permanece. A atitude desproporcional das Forças Armadas diante de uma ação artística do Coletivo Aparecidos Políticos mostra o quanto essa instituição se distancia da própria sociedade e como ela ainda teme os ares da liberdade. Provavelmente, os nossos pequenos paraquedas tem um enorme peso da memória e, com certeza, seus leves impactos criaram um grande estrondo nessa instituição que ainda deve à sociedade brasileira um pedido público de perdão pelos crimes de Estado cometidos entre 1964-1985.

Por fim, na música “Carcará” de João do Vale e José Cândido, cantada na peça “Opinião”, de Augusto Boal, há um trecho que canta que a ave nordestina “quando vê roça queimada, sai voando, cantando…”. É assim que nos sentimos agora: parte da nossa roça foi queimada, mas somos um bicho que “avoa que nem avião”. Nossa obra se estendeu para além da galeria de arte, para além dos muros de instituições e nossa arte pública relacional saiu voando, cantando…

Carcará…
Fortaleza, 16 de abril de 2014

De Fortaleza,
Carolina Campos