Palestina: Reconciliação nacional e diplomacia são estratégicas

O presidente palestino Mahmoud Abbas abordou a extensão das negociações com Israel, nesta terça-feira (22), para a qual a demarcação das fronteiras é primordial. Na política doméstica, a imprensa focou na reunião entre parlamentares da Cisjordânia com o Hamas, que governa a Faixa de Gaza, nos esforços de reconciliação nacional, enquanto o governo de Israel lançou ataques aéreos ao território. O fim do prazo para os diálogos se aproxima sem resultados.

Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho

Presidente Mahmoud Abbas e Khaled Mashaal - Reuters

É caricata e frequente a tentativa do governo israelense de minar a reconciliação entre o Hamas e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e, mais especificamente, o Fatah, partido à frente do governo na Cisjordânia. Entretanto, nas últimas semanas, representantes de ambos os lados têm voltado a afirmar a urgência deste passo, para a reintegração do Hamas e a realização de eleições. As últimas, em 2006, resultaram em uma disputa que levou a confrontos e a ruptura, polarizando os governos dos dois territórios palestinos também fisicamente fragmentados.

A reconciliação é retomada publicamente enquanto também se aproxima o prazo final para as negociações com Israel, 29 de abril, com o encerramento de um período de nove meses de reuniões entre as delegações palestina e israelense, com a retórica mediação dos Estados Unidos. Marcaram estes meses a expansão das colônias em territórios palestinos, o aumento da violência, o aprofundamento da ocupação e a recusa israelense em abordar os temas centrais do conflito, uma tática patente do posicionamento do governo de Israel, inclusive nos tempos em que alega dedicar-se pela diplomacia.

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Na reta final, ficam ressaltadas a recusa israelense em libertar o último grupo de prisioneiros palestinos, em violação do compromisso que assumiu para a retomada das negociações, e a candidatura da Palestina a 15 convenções internacionais, em resposta, como alternativa à falta de avanço do processo diplomático com Israel e às condições da ocupação, sobretudo a da construção de mais habitações em grandes colônias já encravadas na Cisjordânia.

Ainda assim, Abbas voltou a indicar que estaria disposto a estender o prazo das negociações por mais seis meses, projeto com o qual a extrema-direita no governo israelense não simpatiza. Naftali Bennett, por exemplo, ministro da Economia do partido ortodoxo e colonialista Lar Judeu, já ameaçou diversas vezes que se retiraria da coalizão do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu – o que causaria instabilidade e, provavelmente, queda do governo.

Representantes do partido de Netanyahu, Likud, além do próprio premiê, tampouco se abstêm de declarações e ações práticas que minam diariamente as negociações. Pelo bem da redundância, estão aí novos recordes na construção de casas para judeus nas colônias em território palestino e as propostas de anexação das que já chegam a ser consideradas cidades ao território israelense. Além da demarcação das fronteiras, já rechaçada pela equipe israelense nas negociações, Abbas exige e suspensão completa das obras já anunciadas, e a libertação do quarto grupo da lista de 104 prisioneiros – entre mais de cinco mil – acordada entre a Autoridade Palestina e Israel.

O presidente também mencionou recentemente a opção de desmantelamento da Autoridade Palestina, órgão Executivo da OLP (reconhecida como o único representante legítimo dos palestinos pela sociedade internacional desde o início dos anos 1990, quando deixou de ser classificada de “organização terrorista”), como forma de colocar em xeque o arranjo administrativo sobre os territórios palestinos feito nos Acordos de Oslo, que deveriam ser temporários e que deixam cerca de 50% da Cisjordânia sob o controle militar completo de Israel.

Os Estados Unidos reagiram, através de uma declaração do Departamento de Estado, desta segunda-feira, contra o desmantelamento da AP, vista por muitos analistas como um instrumento de pressão sobre as autoridades palestinas, já que o seu funcionamento depende do financiamento internacional e das receitas recolhidas por Israel e repassadas ao órgão. “Este tipo de medidas extremas terão implicações graves” para a relação dos EUA com os palestinos, disse a porta-voz da Chancelaria estadunidense, Jen Psaki.

Ofensiva contra a reconciliação

A reaproximação da OLP e dos partidos islâmicos de Gaza, nomeadamente, o Hamas, que tem grande apoio popular, é uma necessidade para o fortalecimento nacional e para o avanço da democracia. Várias autoridades palestinas, principalmente do Fatah, já se manifestaram neste sentido e a questão é obviamente essencial, o que é demonstrado pelas tentativas reiteradas do governo israelense – que classifica o Hamas como “organização terrorista” para justificar o bloqueio completo da Faixa de Gaza e os frequentes ataques ou operações militares contra o território – de minar o processo.

Duas ações destacaram-se neste sentido: a negativa para que o parlamentar palestino Mustafa Barghouti entrasse no território pela passagem controlada por Israel, Erez, e os ataques aéreos relatados nesta segunda-feira contra várias regiões da Faixa de Gaza, um território litorâneo de menos de 400 quilômetros de extensão. De acordo com a agência palestina de notícias Wafa, duas pessoas ficaram feridas nos ataques dos caças F-16, que atingiram inclusive um campo de refugiados e um aviário.

O Conselho Palestino de Ministros afirmou, nesta terça, que os diferentes partidos devem priorizar as conversações de reconciliação como “interesse nacional”, cujos esforços devem avançar a unidade palestina. A reunião prevista para breve entre o Fatah e o Hamas foi manchete em vários diários palestinos: a formação de um governo de consenso nacional “em quatro semanas” e a reestruturação da OLP estarão no topo da agenda, segundo o Al-Quds. Como gesto de compromisso, o Hamas libertou 10 prisioneiros afiliados ao Fatah em Gaza.

Representantes do Hamas e do Fatah reuniram-se no domingo (20) na capital egípcia, Cairo, onde teriam alcançado “progresso real”, quando o partido islâmico concordou em ceder em um ponto considerado fundamental em acordos assinados em 2012, o de que “todas as cláusulas do acordo serão vistas como uma entidade única,” que determina a realização das eleições legislativas e para o Conselho Nacional Palestino quando as outras cláusulas forem cumpridas, inclusive a distribuição das pastas ministeriais e dos focos de poder.

De momento, o Hamas concordou em contentar-se com um ponto segundo o qual uma nova liderança temporária será estabelecida para a Organização para a Libertação da Palestina, em que todas as organizações palestinas estarão representadas, inclusive o Hamas e o partido da Jihad Islâmica. Os partidos também concordaram em começar um período de duas semanas de conversações sobre o estabelecimento de um governo de unidade nacional e apenas depois discutir uma data para as eleições e a distribuição de pastas, sob a liderança unificada da OLP.