Esquerda espanhola boicota posse do novo rei exigindo democracia

O novo rei da Espanha, Felipe VI, coroado apesar das reivindicações massivas por referendo sobre a monarquia, convocou o país a unificar-se. Em discurso de posse nesta quinta-feira (19), o monarca, que assume o trono após a abdicação do seu pai, em crescente insatisfação popular com o regime, disse respeitar a diversidade entre as regiões autônomas. O grupo parlamentar de esquerda, entretanto, voltou a afirmar oposição à posse, efetivada em detrimento da vontade popular por uma democracia real.

Espanha rei Felipe VI - Getty Images

Há poucas semanas, o antigo rei Juan Carlos, nomeado pelo ditador Francisco Franco em 1969 – quando a Espanha já era uma república – e coroado em 1975, decidiu abdicar do trono em favor do seu filho, Felipe VI. Apesar das diversas manifestações por todo o país e dos manifestos que reivindicavam o direito popular de decidir pela continuidade da monarquia ou pela instauração da Terceira República espanhola, o até então príncipe das Astúrias tem sido saudado por grande parte da mídia e por monarquistas como o próprio presidente do Governo, Mariano Rajoy, como um líder “capacitado” e “moderno”.

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Para regiões diversas, cujos movimentos nacionalistas ainda recordam a história de domínio e imposição que as levaram a integrar a atual Espanha, as disputas e reivindicações por maior autonomia ou até por independência ainda é atual, mas também intensificada devido à recusa do governo de ouvir o apelo pelo direito popular de decidir o futuro do regime espanhol.

Os monarquistas têm declarado que uma nova era de popularidade para a problemática família real Borbón inicia-se com o coroamento de Felipe VI. Segundo pesquisas espanholas, a monarquia enfrenta um longo período de queda contínua na aprovação popular, intensificada por diversos escândalos e pela recessão, acompanhada por medidas de arrocho destrutivas que empurram milhões de espanhóis à pobreza.

Já o Grupo da Esquerda Plural no Congresso dos Deputados emitiu uma declaração, nesta quarta-feira (18), contra a posse do novo rei, voltando a enfatizar que é o povo quem confere soberania e poder ao Estado, de acordo com a própria Constituição espanhola, o que é violado pela transferência da chefia de Estado de pai para filho sem consulta popular.

Além disso, o documento considera que o exercício do poder por direito hereditário é “próprio de outros séculos da nossa história, em que a dinastia Borbón limitou, quando não impossibilitou diretamente o governo democrático de um povo que, em duas ocasiões, a destronou para ser o único dono do seu destino.” A Primeira República espanhola foi proclamada em 1873, mas os Borbón foram reinstalados no trono no ano seguinte, e a Segunda foi declarada em 1931, garantindo autonomia política ao País Basco, à Catalunha e à Galícia, mas tomada pelo general Francisco Franco após a Guerra Civil espanhola, de 1936-1939. Veja a seguir o ciclo da queda na avaliação popular da monarquia:

Direito popular à soberania democrática

Como se respondesse aos apelos por um referendo sobre a monarquia, Felipe VI definiu-se como um “rei constitucional” nesta quinta, o primeiro dia do seu reinado, em discurso no Congresso dos Deputados, de acordo com o jornal espanhol Público. O novo rei afirmou que representa a “regeneração das instituições” e que seu mandato representará “uma monarquia renovada para um novo tempo.” O Público ressalva que, apesar da suposta neutralidade do monarca, seu discurso foi repleto de mensagens políticas sobre o atual contexto nacional.

Neste sentido, Felipe VI referiu-se ao debate impulsionado pela abdicação do seu pai sobre o modelo de Estado e a abertura das instituições, além de abordar o desemprego massivo entre os jovens e instar os movimentos civis que buscam a independência das regiões autônomas da Catalunha e do País Basco à “unidade”.

“Quero reafirmar, como rei, a minha fé na unidade da Espanha, da qual a Coroa é símbolo,” disse ele, apesar das manifestações contrárias à legitimidade da monarquia reinstaurada por Franco. Felipe VI ressalvou, porém, que a “unidade não é a uniformidade”. Entre as principais bandeiras das reivindicações por autonomia e independência está o protesto contra a imposição da língua castelhana aos povos diversos, como o catalão, o basco e o galego e a proteção desses idiomas nacionais.

O Grupo Esquerda Plural afirmou, na declaração emitida na quarta (18), que não participaria da proclamação de Felipe VI por coerência com a defesa do referendo e pela exigência de uma democracia real, com a eleição de todos os cargos do Estado.

Além disso, garantiu que continuará "trabalhando para conseguir a celebração de um referendo, para que seja o povo quem decida a forma de Estado com a qual quer governar-se," e que seguirá "defendendo os princípios e valores republicanos, avançando em direção a um processo constituinte, em uma democracia plena que garanta o cumprimento dos direitos estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos como fundamentais da cidadania."

Moara Crivelente, da Redação do Vermelho
Com informações de jornais espanhóis e da Izquierda Plural