Israel reforça ocupação da Palestina alegando "ameaça securitária"

Israel tem focado no desaparecimento de três jovens de colônias ilegais na Cisjordânia. Radicais acusam o Hamas, que reintegra o governo palestino após o esperado acordo de reconciliação, mas o presidente Mahmoud Abbas tem garantido a dedicação da Autoridade Palestina na busca pelos colonos e denuncia a "punição coletiva". A postura de Israel é agressiva: invasões, prisões, toques de recolher e, nesta quinta-feira (19), fundo adicional para a ocupação.

Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho

Soldados de Israel Hebron - AFP

O desaparecimento de três israelenses do Gush Etzion – bloco de 22 colônias ilegais, com mais de 70 mil habitantes – em território palestino, há exatamente uma semana, abriu um período de maiores tensões entre o gabinete do premiê Benjamin Netanyahu – repleto de representantes dos colonos e da extrema-direita – e o novo governo da Autoridade Nacional Palestina (ANP), órgão de autogoverno na Palestina ocupada.

Observadores já anunciam a maior intensificação do uso da força israelense desde a Segunda Intifada (“levante” palestino contra a ocupação), impulsionada em 2000. Há dois dias, veículos militares israelenses invadiram cerca de 10 cidades e campos de refugiados em toda a Cisjordânia palestina durante a noite – inclusive a sede administrativa da ANP, Ramallah, e uma municipalidade sob o controle direto palestino, Jericó. O Ministério da Defesa impôs também um toque de recolher na região de Nablus.

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As tropas israelenses têm vasculhado bairros centrais de Ramallah, inclusive próximo ao edifício presidencial, e revistaram a emissora de TV Al-Aqsa News, depois de prender o diretor do veículo, no início da semana. Em cidades como Hebron, já imersa na ocupação por um estatuto especial de divisão de controle e pela presença de centenas de famílias de colonos extremistas, o Exército tem invadido residências palestinas e, segundo a mídia local, provocado confrontos no centro da cidade. Pequenos comércios foram invadidos e as tropas israelenses têm confiscado gravações de vigilância, de acordo com o portal Mondoweiss.

Segundo Issa Amro, um ativista do grupo Juventude Contra as Colônias citado pelo Mondoweiss, os soldados israelenses invadiram o prédio do Ministério do Interior da ANP em Hebron e confiscaram registros da população desta que é a maior cidade da Cisjordânia, ocupada pelas tropas desde a tarde de sexta-feira (13). A incursão, segundo um comandante israelense citado pela agência palestina de notícias Ma’an, é maior do que a operação “Escudo de Defesa”, lançada contra o campo de refugiados de Jenin, em 2002, no contexto da Segunda Intifada, em que mais de 50 palestinos e 20 israelenses morreram e várias estruturas foram destruídas, no que ficou conhecido como a “Batalha de Jenin”.

Ocupação intensificada e ofensiva

O gabinete de governo de Israel deve aprovar uma série de pacotes de ajuda financeira às colônias ilegais, neste domingo (22). Segundo o jornal israelense Haaretz, a proposta a ser votada indica que o primeiro envio será de cinco milhões de shekels (R$ 3,36 milhões) e se baseia “na situação securitária”, mas não especifica a quê se destina o recurso, que conforma apenas a primeira fase da transferência de fundos.

Para o diretor da organização Peace Now (“Paz Agora”) Yariv Oppenheimer, os recursos não são designados “para fins securitários e é possível que servirão para promover a agenda política dos colonos, para avançar as construções nas colônias,” medidas denunciadas pelos palestinos e até por aliados de Israel inclusive durante o período de nove meses acordado para as negociações de paz, findo em abril com o reforço e aumento da ocupação em diversas dimensões.

Além disso, para diversos analistas, o governo e as expressões mais extremistas de Israel têm utilizado o desaparecimento dos colonos também para tentar enfraquecer a reconciliação palestina, acordada entre o Hamas e a Organização para a Libertação da Palestina – principalmente o Fatah, partido à frente da Presidência da ANP – após sete anos de divisão política.

A reação israelense à reconciliação e ao anúncio de um governo de unidade “tecnocrático” e independente que prepara eleições foi agressiva em vários níveis, com a ameaça de mais sanções à ANP e protestos contra a decisão dos próprios aliados, Estados Unidos, de reconhecer o novo governo palestino, com “condições”. Netanyau disse: “Lembrem-se que Israel advertiu a comunidade internacional sobre os perigos de endossar um pacto de unidade Fatah-Hamas,” embora Abbas tenha garantido o empenho do governo palestino na questão e o Hamas tenha negado enfaticamente qualquer envolvimento na questão.

Nesta quinta-feira (19), a Presidência palestina emitiu um comunicado em que volta a denunciar a política israelense de “punição coletiva” – termo que faz referência à prática proibida pelo direito internacional – aplicada nos territórios palestinos, especialmente Hebron. “O governo de Netanyahu tomou o desaparecimento de três colonos como pretexto para impor represálias severas e punitivas contra o povo palestino e cercá-lo em várias cidades e vilas, o que viola o direito internacional humanitário,” diz o documento.

A campanha de detenção de inúmeros palestinos, inclusive de prisioneiros já libertados, “constitui uma violação flagrante” de um acordo assinado com Israel em 2011, quando mais de mil prisioneiros políticos palestinos foram trocados pelo soldado israelense Gilad Shalit, capturado na Palestina. Vários deles já foram presos novamente. O documento afirma ainda: “Condenamos as agressões contra os mais de 120 prisioneiros que fazem greve de fome, a aprovação da medida [que regulamenta] a alimentação forçada, a invasão da Universidade de Birzeit e a política contínua de colonização e judaização de Jerusalém, assim como o bloqueio imposto contra a Faixa de Gaza, todos rejeitados e que apenas contribuem para a atmosfera negativa.”

De acordo com a agência de notícias Wafa, a Presidência enfatizou ainda que a comunidade internacional deve ir além das “condenações” dessas práticas e “tomar ações concretas para exercer pressão sobre o governo israelense”, para que encerre esta “política não ética e ilegítima.”

Além disso, o governo palestino reafirmou que condena a violência, seja quem for o perpetrador, e se compromete com o processo de paz, assim como com a busca por uma solução justa e abrangente ao impasse de mais de sete décadas, que impede o estabelecimento de um Estado da Palestina soberano e independente e garante a continuidade e expansão da ocupação israelense.