Líder do Hamas rechaça acusações de Israel e fala de "cessar-fogo"

Khaled Meshaal, secretário-geral do Hamas, partido à frente do governo da Faixa de Gaza, deu uma entrevista à emissora britânica BBC, nesta quinta-feira (24), sobre as negociações para um “cessar-fogo” com Israel. Meshaal voltou a afirmar que qualquer acordo neste sentido precisa incluir mudanças significativas, como o fim do bloqueio imposto por Israel ao território litorâneo há oito anos. Nesta sexta-feira (25), mais bombardeios israelenses mataram cerca de 30 palestinos.

Faixa de Gaza - AFP

O presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas chegou ao Egito na noite desta quinta-feira (24) para mais um episódio de negociações para o fim da ofensiva contra Gaza. Meshaal se disse otimista com as possibilidades.

O bloqueio à Faixa de Gaza foi imposto logo após o Hamas, que é classificado por Israel e seus aliados enquanto “organização terrorista”, ter vencido eleições parlamentares em 2006. Desde então, uma situação de ocupação militar já sustentada há décadas por Israel foi ainda agravada, já que até mesmo ajuda humanitária é transportada segundo o imposto pela “potência ocupante”.

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O território litorâneo de 360 quilômetros quadrados tem cerca de 1,8 milhão de habitantes; por volta de 1,2 milhão de palestinos ali residentes são refugiados assistidos pela Agência das Nações Unidas para Assistência e Trabalhos (UNRWA), que gere oito campos de refugiados no estreito enclave, além de 23 clínicas de saúde e cerca de 800 escolas, que não escapam das ofensivas israelenses. Os palestinos refugiados em Gaza são sobreviventes de massacres anteriores, alguns até mais de uma vez, desde que, em 1948, o Estado de Israel foi criado pela ONU na sequência das “limpezas étnicas” feitas por milícias em diversas regiões da Palestina histórica.

É com isto em mente que a liderança palestina exige repetidamente soluções mais abrangentes para as frequentes escaladas de violência, da qual os palestinos, é inegável, são as maiores vítimas, mas que também afetam diretamente os israelenses. Entre elas, reivindicam o reconhecimento do Estado da Palestina e o respeito postergado ao direito dos palestinos à autodeterminação, para o fim da ocupação israelense sobre os seus territórios e suas vidas.

Na situação atual, em que os repetidos bombardeios aéreos, terrestres e por mar perpetrados por um dos mais virulentos e tecnologicamente avançados exércitos do mundo, já são mais de 800 vítimas fatais entre os palestinos (de 70 a 80% são civis, inclusive centenas de crianças e mulheres). Os palestinos em Gaza reagem, mas seu direito à autodefesa, como afirmado por Israel, não é reconhecido.

Ainda que soldados israelenses também tenham sido mortos após invadirem o território palestino para dar sequência à campanha ofensiva (prendendo 150 palestinos até hoje e aterrorizando a população), a reação contra mais uma operação militar, a terceira em cinco anos (a soma de mortos entre os palestinos ultrapassa a de duas mil pessoas), é taxada de “terrorista”. Os foguetes lançados por diversas brigadas palestinas, inclusive a ligada ao Hamas, Al-Qassam, alcançam novas distâncias, mas não são comparáveis à ofensiva israelense e ao bloqueio duradouro.

Algumas das vítimas dos ataques desta sexta (25), de acordo com a agência palestina de notícias Maan, são: Najat Ibrahim al-Najjar, de 35 anos, em Khan Younis; Iyad Nasser, do sul da Faixa de Gaza; Sharif Muhammad Hassan, 27, Muhammad Khalil Hamad, 18, e Mamduh Ibrahim al-Shawwaf, 25, em Khan Younis; Tariq Zahad, 22, e Samer Abu Kamil, 26, no centro de Gaza; Suleiman al-Shawwaf, em Abasan; Ali Muhammad Asfour, 58, Samir Abdulal al-Najjar, 25, e Muhammad Ibrahim al-Khatib, 27, em Khan Younis; Eid Muhammad Abu Qteifan, 23, em Deir al-Balah; Maram Rajeh Fayyad, 26, em Deir al-Balah; Mahmoud Suleiman al-Astal, 17, e Laila Ibrahim Zurub, 40; Mahmoud Asaad Ghabn, 24; Rabbu Affanah, 28, e Rasmiyeh Salameh, 24, em Khan Younis.

Meshaal rejeita acusações de Israel

"A população de Gaza está sendo punida com uma morte lenta na maior prisão do mundo", disse Meshaal, em entrevista à BBC. "Estamos ansiosos para que o banho de sangue termine." Entretanto, frases como essa não são transmitidas pela maior parte da mídia israelense, que insiste em reproduzir o discurso oficial de acusação contra o Hamas, “a organização terrorista”.

Sobre as propostas de “trégua” feitas antes, com a mediação dos Estados Unidos e do Egito, Meshaal disse: “O que nos ofereceram foi um cessar-fogo que, pelo contrário, fortaleceria o bloqueio – e os moradores de Gaza já estão cansados de um isolamento forçado que já dura oito anos. Esse bloqueio injustificável já matou mais do que guerras anteriores.”

“Essa é a posição dos moradores de Gaza, do Hamas, da Jihad Islâmica, da Frente Popular e dos palestinos em geral. Todos estão nos dizendo: ‘Não aceitem um cessar-fogo’. Queremos que, em primeiro lugar, esse bloqueio seja suspenso. Os bancos mundiais vêm pressionando os bancos palestinos para não enviar dinheiro a Gaza. Os moradores de Gaza estão morrendo. Imagine a Grã-Bretanha – a maior ilha do Atlântico – sendo submetida a cerco semelhante. O que os britânicos fariam?”

E continuou: “O que está acontecendo em Gaza é um problema do mundo (…). É hora de a comunidade internacional colocar um fim à última ocupação na história, a ocupação palestina.” Meshaal também rebateu as acusações contra o Hamas, sobre o uso de civis enquanto “escudos humanos”, o pretexto de Israel para se eximir da responsabilidade pelo massacre dos palestinos.

“Isso é mentira. O Hamas está se defendendo, está sacrificando a sua própria liderança em consideração por seu povo. O único responsável pela morte de palestinos é Israel, que usa (caças) F16 e armas ocidentais, estadunidenses. Quando o Hamas ou qualquer outro membro do movimento de resistência se defende contra os ocupantes, estão protegendo o seu próprio povo.”

Sobre a acusação de esconder foguetes e outros materiais militares em áreas civis, inclusive em escolas, o líder do Hamas negou a prática, também indicada por Israel para justificar os bombardeios desses locais. “Os lançadores de foguetes de Gaza pertencem à resistência. Eles estão debaixo da terra e Israel não consegue atingi-los. No entanto, o governo israelense finge que essas armas estão em áreas civis para que continue atacando hospitais, mesquitas, torres e edifícios. Israel cometeu um massacre em Shujaiya e em Tufah. Nesta manhã, o mundo testemunhou um novo massacre em Khuzaa. Gaza se transformou em um abatedouro. O mundo está inerte e ainda acusa o Hamas.”

“Os palestinos têm o direito de permanecer em sua terra e em suas casas,” continuou Meshaal, ao ser perguntado sobre as informações de que o governo palestino de Gaza desaconselha os palestinos que recebem “alertas” (panfletos, mensagens por rádio ou telefone e ainda mísseis de advertência lançados por drones, que já mataram crianças na semana passada). “Você sabe qual é o tipo de alerta que Israel dá às pessoas? Israel nos envia um sinal e três minutos depois manda um F16 destruir nossas casas. Que tipo de advertência é essa? Israel fracassou militarmente em atingir a resistência e agora está atacando civis. Esse é o quadro atual de Gaza.”

"Os cidadãos palestinos estão sofrendo e vivem em condições duras, mas isso é por causa da ocupação, não por causa do Hamas. Não é uma resistência armada como fim em si. Mas é um meio para encerrar a ocupação. Se eu não for capaz de colocar um fim à ocupação por meios pacíficos, sou forçado a pegar em armas, como todos os outros países," disse Meshaal.

Atualizada às 15h20 para incluir a viagem do presidente Abbas ao Egito.

Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho,
Com informações da BBC e da Maan