Em entrevista, colunista de Israel critica apoio nacional à ofensiva

Gideon Levy integra a comissão editorial do importante jornal israelense Haaretz (A Terra). Não se trata do diário local mais lido, mas sim do mais antigo, fundado em 1918, três décadas antes do próprio Estado de Israel. Levy tem sido ameaçado por suas opiniões contrárias ao massacre dos palestinos. Não pelo governo ou pelo Exército – afirma, em entrevista ao Vermelho – mas pelos próprios israelenses que garantem apoio a mais uma ofensiva contra Gaza.

Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho

Gideon Levy Israel - WikiCommons

O Haaretz foi fundado com respaldo do governo colonial britânico na Palestina e, em 1919, seu controle passou para um grupo que se afirmava socialista, entretanto, também sionista, ou seja, integrante do esforço colonizador que resultou na morte, no despojo e na expulsão de centenas de milhares de palestinos ao longo de várias décadas.

Ainda assim, o jornal hoje tem tradição entre os que questionam a política opressora dos sucessivos governos de Israel. Além de Levy, escritos importantes como os da jornalista Amira Hass oferecem críticas contundentes à ocupação em um diário que se classifica como de esquerda, publicado em hebraico e inglês, com uma circulação de 70 a 100 mil exemplares (a circulação do mais lido, Yiedioth Ahronoth, de centro-direita, mas agressiva e sensacionalista, é de 300 a 600 mil).

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Levy expõe os abusos sobre os quais se sustenta o regime militar imposto aos palestinos em territórios ocupados, escrevendo sobre as práticas da ocupação israelense. Quando a violência intensifica-se, com massacres como o atual, seus textos são respondidos pelo “esforço de guerra” (não só das autoridades, mas também da sociedade) com condenação aberta e acosso.

Sua coluna nesta quinta-feira (7) critica o "coro nacional que está tentando forjar uma vitória" e que já havia "forjado uma unidade nacional", uma "resiliência" e "claro, o heroísmo e a moralidade das Forças de Defesa de Israel", o título garantido deliberadamente ao Exército israelense, este que matou cerca de 1.900 pessoas – ao menos 80% eram civis e quase 400, crianças – em menos de um mês, na terceira grande "operação militar" contra Gaza em cinco anos.

   Foto: Reuters
Em entrevista concedida por telefone ao Vermelho, também nesta quinta, Levy, autor do livro recém-publicado "A Punição de Gaza" – que ingressou no Haaretz no ano de uma das guerras contra o Líbano, em 1982 – disse receber ameaças de cidadãos comuns. O apoio à atual ofensiva e à política de ocupação da Palestina é majoritário em Israel e nada mudará após este período, afirma ele, caso a comunidade internacional não se posicione por um resultado diferente da impunidade. Leia a entrevista a seguir.

Portal Vermelho – Pesquisas de opinião recentes demonstram apoio, em Israel, à atual ofensiva contra a Faixa de Gaza. Entretanto, também há protestos contra mais uma “operação militar”. Qual diria ser o balanço desta situação, ainda que ela esteja sendo encerrada, o governo tem apoio? Os israelenses querem que ela continue?

Gideon Levy – Com certeza. O governo tem apoio total nesta guerra e também à sua continuidade. E se eventualmente houver questionamentos a respeito dela, eles talvez só emergirão em breve, mas não agora. Neste momento, todas as enquetes apontam para o apoio, a opinião pública está bastante contente com o governo e com o primeiro-ministro [Benjamin Netanyahu].

Ainda não temos notícias das negiciações por um cessar-fogo estendido e esta é uma questão complicada, levará algum tempo. 

Os tanques e os soldados foram removidos da Faixa de Gaza, mas se o cessar-fogo não for estendido, há possibilidades da retomada dos bombardeios?

É difícil acreditar que haja retorno aos bombardeios. Será uma surpresa se retornarem a isso.

Então o governo israelense pode declarar unilateralmente uma “vitória”, como fez no passado?

Sim, algo assim.

Quais seriam as implicações desta ofensiva em relação ao chamado “processo de paz” perpétuo com os palestinos e à política doméstica de Israel?

Não havia um processo de paz antes dela, e não haverá um processo de paz depois. Então, deste ponto de vista, nada muda. Se mudar, será para pior, mas não me parece que qualquer coisa irá mudar. Estávamos em uma posição péssima antes desta guerra, e continuamos na mesma posição, na qual Israel quer manter os territórios [palestinos] ocupados e manter o cerco a Gaza. Nestas condições, não haverá paz.

  Foto: Reuters
Enquanto os assessores legais do governo e do Exército estudam como responder às acusações de crimes de guerra, como tem avaliado a cobertura midiática israelense a respeito delas?

A mídia israelense, nestes dias, funciona mais como mídia de propaganda, encontrando todos os tipos de pretextos para dizer que esses não são crimes de guerra, que as acusações não têm qualquer base, que o mundo é antissemita e é contra Israel, de qualquer forma. Então, em grande parte, os israelenses são bem protegidos, por sua mídia, dessas acusações.

Há obstáculos para os jornalistas israelenses que cobrem esta questão? O Exército exerce pressão direta?

Não há pressão do Exército ou do governo, a pressão vem das pessoas nas ruas. Eu até estou sendo acompanhado por seguranças nos últimos dias, porque estou recebendo muitas ameaças.

E decisões como a do governo espanhol de suspender a exportação de armas a Israel, assim como a discussão dessa questão no Reino Unido, por exemplo, estão alcançando o público no país?

De maneira alguma. Enquanto os israelenses não estiverem sentindo [as consequências], eles não serão alcançados. Esses passos, até agora, são declaratórios, não práticos. Não são passos que o israelense médio possa sentir, por isso, não fazem qualquer diferença aqui.

A ofensiva atual já ultrapassou a “operação Chumbo Fundido” (de dezembro de 2008 a janeiro de 2009), que foi investigada pela Organização das Nações Unidas. A conclusão foi que crimes de guerra teriam sido cometidos e, agora, grupos em todo o mundo estão pedindo responsabilização, embora muitos sejam céticos quanto a isso e queiram uma mudança. Consegue ver um final diferente nesta direção, para impedir que este tipo de ofensiva continue se repetindo?

Isso depende do quão decisiva será [a posição da] comunidade internacional. Se houver, novamente, apenas relatórios, sem passos concretos, [as ofensivas] se repetirão uma e outra vez.