Netinho: Carta aberta ao povo de São Paulo

 Se ganho dinheiro
Todos vão dizer que não foi honestamente
Se não ganho nada
Sou vagabundo ou pouco inteligente
Num beco sem saída
A gente fica sem saber o que fazer
Uma coisa é certa
No meio de feras
Uma fera a gente tem que ser
Beco sem saída, beco sem saída
Beco sem saída (Netinho de Paula)

Cresci na periferia da cidade vendo a luta e sofrimento dos esquecidos e sem rosto. A indignação despertou em mim o desejo de poder mostrar que temos rosto, nome e potencial. Acredito muito nisso, pela música comecei minha caminhada.

A música foi a minha primeira forma de expressar minha posição política. Era o jeito que eu e o gueto tínhamos de nos manifestar, abrir os olhos de mais gente.

Só que isso não bastava, nossa indignação precisava se transformar em mudança para o nosso povo. Compreendi que somente participando ativamente do processo político poderíamos ter ecoada nossa voz contra o racismo, a discriminação, as péssimas condições de educação que condenam uma juventude a não ter esperança.

Fui para um partido político que casava com minhas idéias e me tornei assim vereador. Fui me preparando, estudei e sendo vereador de uma cidade como São Paulo, aprendi que posso fazer muito mais pelo meu povo.

Mas não tem sido fácil, todos os dias tenho que provar que posso, que cheguei lá e que tenho condições de disputar uma eleição. Vivo isso todos os dias, vejo meus irmãos vivendo isso.

Ontem tive uma vitória, após ser amplamente divulgado pela mídia que minha candidatura havia sido indeferida por não ter comprovado que me ausentei da Secretária, o TRE deferiu o registro.

Antes que se soubesse ou verificasse os fatos fui colocado em vários veículos de comunicação com mais um carimbo “indeferido”, rótulo este derrubado, com a comprovação de que cumpri todos os requisitos exigidos pela lei.

Parece bobagem, rancor ou mágoa, mas se trata de um desabafo de alguém que a vida toda teve que provar que pode. O fato e me manifestar, de me indignar, supera a crítica é à batalha judicial.

Trata-se de um incômodo do modo como se usa uma decisão para colocar sob o julgamento popular os indivíduos. A grande mídia dá o fato gerador da notícia sem concluir e informar ao grande público e aos amigos dessa campanha o direito de saber que, sim, estou apto como sempre estive e me preparei para isso.

O julgamento público, mesmo que derrubado por uma medida judicial, traz danos, pois coloca o candidato no lugar de inelegível e difunde uma informação que pode desestabilizar a candidatura, ameaça apoios e atinge um projeto coletivo.

Vou continuar lutando e vencendo aos trancos e barrancos em nome de tudo que julgo mais importante, a dignidade humana. Seja a luta por moradia, contra o racismo, combate à pobreza, juventude, trabalho e cultura.

Tenho a convicção de que posso representar essas vozes e nada, nem ninguém, vai me distanciar desse objetivo. Sei que o meu povo do gueto me entende e me apóia, agora vamos à luta com muito mais força!

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