“Proteger a América”: Obama fantasia os ataques aéreos na Síria
O presidente estadunidense Barack Obama deu declarações messiânicas sobre sua decisão de atacar o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), que vem atuando com brutalidade no Iraque e na Síria. Nesta terça-feira (23), diante da Casa Branca, ele disse que “a América [EUA]” recebe agradecimento pelas ações “do melhor Exército que o mundo já conheceu”. O ufanismo é intencional e omite a responsabilidade dos EUA pela desestabilização continuada da região.
Por Moara Crivelente*, para o Vermelho
Publicado 23/09/2014 15:08
Embora tivesse prometido, durante sua campanha presidencial ainda em 2008, que concluiria a guerra contra o Iraque, lançada por seu predecessor em 2003, Obama tem formas – e as emprega – para manter a presença norte-americana entranhada pela região, como é o caso também do Afeganistão e, conforme suas tentativas ensandecidas, na Síria.
Para isso, recorrer aos grupos extremistas, em conluio com atores regionais como a Arábia Saudita, provou que a crueldade, a brutalidade e, mais uma vez, a fatalidade é imposta aos povos da região em prol de uma agenda geoestratégica que acabou por ser afetada por planos aparentemente mal calculados. Destruir o Estado iraquiano e o afegão – e continuar classificando-os de “Estados falidos” – só pode ter sido parte desta estratégia de mantê-los dependentes da presença militar e, em dado momento, para a redução de custos, dos “consultores” estadunidenses para a “construção da democracia”.
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Derrubar o governo do presidente Bashar Al-Assad sempre foi um objetivo primário bastante claro na agenda dos EUA para a região, e esforços não foram poupados na ingerência e na agressão, seja através do embate político no cenário internacional, das sanções contra o país e das acusações infundadas contra o governo sírio, seja através da guerra que conduzem indiretamente através da miríade de grupos armados no país, financiados e treinados pelo aparato estadunidense.
Obama logra apoio doméstico decisivo para este respaldo direto à chamada oposição, composta por vários grupos armados, diversos formados por mercenários estrangeiros e até mesmo os próprios “terroristas” que agora o presidente diz combater. O caldo de cultura para o terrorismo que se espalhou aceleradamente pela região é remexido pelos próprios EUA e seus aliados na região: Arábia Saudita, Catar, Turquia e, de forma presumidamente mais encoberta, Israel.
O presidente Obama também teve de convencer seus cidadãos a apoiar a ação militar que seu governo vem tentando empreender contra a Síria. Tanto nos EUA quanto na França e no Reino Unido, cujos chefes de Estado e Governo foram os mais vorazes defensores da intervenção militar contra o país árabe entre as potências ocidentais, os cidadãos pareciam preocupar-se mais com o seu desemprego, a sua crise e o seu empobrecimento rompante, frutos das decisões de arrocho dos seus líderes, enquanto os gastos militares são protegidos e elevados.
Ele conseguiu, porém, chegar lá. Na noite de segunda-feira (22), ordenou ataques aéreos às regiões de Deir Ez-Zor, no leste da Síria, contra o EIIL, e de Idlib, no noroeste, contra a Frente al-Nusra. Segundo fontes locais citadas pela agência síria de notícias Sana, inúmeros combatentes dos dois grupos foram mortos. Porém, o governo sírio já havia advertido os EUA para as consequências dos ataques e da decisão uniletaral, apesar de montarem um grupo árabe para a ação no esforço para apresentá-la de forma mais "legitimada".
“No início deste mês, expus para o povo americano a nossa estratégia para confrontar a ameaça posta pelo grupo terrorista conhecido como EIIL. Deixei claro que, como parte desta campanha, os EUA agiriam contra alvos tanto no Iraque quanto na Síria, para que esses terroristas não encontrem abrigo em lugar algum,” continuou. Para isso, disse ele, a ação é conduzida como parte de “uma coalizão maior” com a Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Bahrein e Catar.
Opção política e o militarismo da ação Obama
Apesar da permissão obtida por Obama no Congresso, os sírios não apoiam os ataques, embora a extremidade da situação os forçasse. Escrevendo desde Damasco para o portal Al-Monitor, Khaled Attalah concluía que o povo, inclusive as frações que se identificam como oposição – como o Comitê Nacional de Coordenação da Mudança Democrática – preferia uma solução política, não a intervenção dos Estados Unidos. A posição do governo sírio sempre foi esta, apesar dos desafios do Exército nacional no combate aos grupos armados e os extremistas por todo o país.
“Obama deveria ter apoiado o processo político,” disse Mouram Daoud, membro do Comitê, em entrevista a Attalah logo após um discurso do presidente estadunidense, na semana passada, sobre a opção pelas operações inclusive contra território sírio. “O fenômeno do terrorismo na região não vai terminar com ataques militares.”
"Pergunto-me como uma coalizão internacional pode ser formada e a Síria, que está sendo atacada profundamente pelo terrorismo, é deixada de lado," disse o parlamentar sírio Sharif Shehadeh também logo após o discurso de Obama, à Associated Press. "Violar a soberania síria trará repercussões negativas à segurança regional e internacional."
Mas Obama já tinha decidido. Na manhã desta terça-feira (23), disse à imprensa: “Ontem à noite, por minhas ordens, as Forças Armadas da América começaram a atacar alvos do EIIL na Síria. Hoje o povo americano recebe os agradecimentos pelo serviço extraordinário dos nossos homens e mulheres em uniforme, inclusive os pilotos, que voaram nessa missão com a coragem e o profissionalismo que viemos a esperar do melhor Exército que o mundo já conheceu." A declaração veio acompanhada da empáfia com que o presidente se fantasiou há muito e da qual não deve mais abdicar.
Obama explicou e “enviou a mensagem” na jogatina de bastidores para angariar o apoio necessário no Congresso à sua ação e ao armamento e financiamento da “oposição síria”, como a “melhor contraposição ao EIIL e ao regime Assad.” Seu projeto é apresentado como virtuoso – pois é no plano da “moralidade” e dos “valores” que seu argumento político hipócrita se dá: o presidente enfatizou que “mais de 40 países ofereceram ajuda neste esforço abrangente para confrontar esta ameaça terrorista, para atacar alvos terroristas, treinar e equipar as oposições combatentes iraquiana e síria, que estão lutando contra o EIIL no terreno, para cortar o financiamento do EIIL, para combater sua ideologia odiosa e deter o fluxo de combatentes para dentro e fora da região.”
recuperarem o controle da região de grupos extremistas (12/09)
Fonte: Reuters
Na segunda à noite, ataques aéreos também foram lançados, segundo o presidente, “para destruir os planos de operativos experientes da Al-Qaeda contra os EUA e nossos aliados, na Síria, conhecidos como grupo Khorasan. Mais uma vez, precisa ficar claro que qualquer um que tente atingir a América e tente fazer mal à América, que não vamos tolerar a proteção a terroristas que ameaçam o nosso povo,” ou seja, suas tropas e oficiais na região. Os estadunidenses mantidos em missão no Iraque foram inicialmente a justificativa primária para a atuação militar contra o EIIL e para o envio de mais centenas de soldados, há semanas.
Segundo o presidente, a unidade que ele diz ter forjado entre as correntes no Congresso “envia uma mensagem poderosa ao mundo, de que faremos o que for necessário para defender o nosso país.” Mais uma vez, para convencer sua oposição e os contribuintes de que é necessário o envolvimento dos EUA, ele enfatiza: “O esforço geral tomará tempo, haverá desafios à frente, mas faremos o que for necessário para levar o combate e este grupo terrorista, pela segurança do país, da região, e de todo o mundo.”
E, como não poderia faltar no seu discurso messiânico de preparação “humanitária”, “virtuosa” e “corajosa” dos Estados Unidos contra “o mal”, conclui com o conhecido “Deus abençoe nossas tropas, Deus abençoe a América.”
*Moara Crivelente é cientista política, jornalista e membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz