Fafá Viana: Soberania, petróleo e poder
A redemocratização do Brasil, iniciada em 1985, é um processo em construção, ainda incompleto. Nos processos eleitorais, realizados a cada dois anos, o debate tem sido superficial e não alcança o conteúdo dos projetos de classe dos partidos políticos.
Publicado 02/10/2014 11:16 | Editado 04/03/2020 17:06

A observação sobre as alterações da legislação nacional referente a exploração e produção de petróleo e gás natural permite desvendar como as classes sociais, organizadas em partidos políticos, têm projetos diferentes e suas consequências práticas para a sociedade, quando eleitos.
A exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil, desde o nascedouro, têm sido alvo da disputa de dois projetos políticos bem definidos: o projeto defensor do desenvolvimento com soberania e justiça social e o projeto dos que defendem o desenvolvimento sem preocupação com a soberania e a justiça social.
Nos anos 40, esse debate opôs de um lado os defensores da viabilidade econômica de exploração e produção de petróleo e gás natural pelo Estado brasileiro e, de outro, os que afirmavam não existir tecnologia nem capacidade técnica no país para a atividade petrolífera.
O projeto vencedor, na ocasião, foi exatamente o da afirmação da capacidade nacional para gerir suas riquezas. O passo seguinte foi a construção da Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás, com a aprovação da Lei 2004/53, que criou a empresa nacional e o monopólio estatal do petróleo.
No final da década de 80 a Petrobrás descobriu grandes reservas de óleo e gás natural no mar, em profundidade de até 2.000 metros de lâminas de água. O grande desafio era desenvolver tecnologia, até então inexistente, para explorar e produzir petróleo em águas profundas. Desafio que a estatal respondeu, sendo a primeira empresa a deter tecnologia para explorar e produzir petróleo em águas profundas.
A vitória do projeto neoliberal em 1989, com a eleição de Collor de Melo para a presidência da República, opôs novamente os dois projetos já citados. A consequência prática foi a aprovação da Lei 9.478/97, que quebrou o monopólio estatal do petróleo e instituiu o modelo de concessão na atividade petrolífera.
Pela nova legislação, o vencedor da concessão é também proprietário de toda a produção, devendo apenas o pagamento de bônus de assinatura, royalties e participação especial ao Estado brasileiro. O bônus de assinatura é pago na assinatura do contrato e seu valor é definido em leilão; os royalties correspondem a uma alíquota sobre o valor de produção do campo, cujo valor mínimo é 5% e o máximo é 10%. Já a participação especial, regulamentada pelo Decreto no 2.705/98, é devida somente em campos de alta produtividade.
Na primeira década do atual milênio, a Petrobrás descobriu novas reservas de óleo e gás natural no mar, localizadas em área abaixo da camada de sal, conhecida como camada pré-sal. Como os dois projetos contrapostos na criação da Petrobras se posicionaram?
O projeto vitorioso na criação da Petrobrás em 1953 – vitorioso também na eleição presidencial de 2002 -, aprovou, em 2010, um novo marco legal do petróleo, com a adoção do modelo de partilha e a constituição de um fundo especial para financiar a educação e a saúde.
A Lei 12.351/10 ampliou o controle do Estado sobre as reservas da camada pré-sal, pois no regime de partilha, a União é dona do petróleo extraído e paga à empresa parceira, em óleo, o custo da produção, além de uma parcela do lucro do campo, denominado de óleo excedente. O regime brasileiro de partilha prevê ainda a cobrança de royalties e de bônus de assinatura.
Na atual disputa eleitoral, os defensores do modelo de concessão tentam associar os erros e problemas de gestão da estatal ao desafio de explorar e produzir petróleo do pré-sal. O debate, feito de forma superficial e manipulado pela mídia, confunde e dificulta identificar a questão central em disputa: por em dúvida a capacidade da Petrobrás como operadora do pré-sal, para então questionar o modelo de partilha.
A reforma política e a democratização dos meios de comunicação são medidas necessárias para elevar o nível dos debates políticos e desvendar a luta de classe nas disputas de poder, realizadas pela via eleitoral. Esse é também um dos caminhos para o aperfeiçoamento e fortalecimento da democracia brasileira.
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*Fátima Viana é socióloga, advogada, diretora do Sindipetro-RN e militante do PCdoB.
Notas:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L2004.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12351.htm