Serra diz que não se lembra de encontro com delator do cartel

O ex-governador de São Paulo, José Serra agora disse que não lembra de ter se encontrado com Nelson Branco Marchetti, o executivo da Siemens que delatou às autoridades o esquema de corrupção nas licitações da CPTM e Metrô de São Paulo, divulgou o Estado de S. Paulo nesta segunda (10).  Às principais perguntas da Polícia Federal, feitas ainda em outubro, o ex-governador e atual senador disse não saber ou se lembrar de reunião pessoal com Marchetti. 

No Brasil, a formação de cartel é irregularidade administrativa, passível de pena de até cinco anos para quem abusar do poder econômico contra o consumidor.

Na transcrição do depoimento consta que Serra “não se recorda de ter tido contato com ele (Marchetti), tampouco se lembra de ter conversado” com o executivo. À Folha, em agosto de 2013, o tucano negou veementemente qualquer contato para tratar das licitações.

A informação a que Serra tenta, mais uma vez, desmontar é do executivo da multinacional alemã Nelson Branco Marchetti, que em um email datado de 2008 e em declaração à Polícia Federal, em novembro de 2013, disse que o então governador de São Paulo (2007 a 2010) se reuniu com ele em uma feira na Holanda, em 2008, pressionando para que a empresa desistisse do recurso judicial que impediria a conclusão de uma licitação milionária da CPTM, na qual a CAF apresentou a melhor proposta para a aquisição de 40 novos trens.

A Siemens estava em segundo lugar na concorrência, e tentava tirar a CAF da licitação, alegando falta de requisitos técnicos. Mas, foi aí que, segundo o executivo, Serra afirmou que se a Siemens conseguisse na Justiça desclassificar a empresa espanhola CAF, o governo iria cancelar a concorrência porque o preço da multinacional alemã era 15% maior. A conversa do então governador e Marchetti ocorrera durante um congresso do setor ferroviário em Amsterdã, na Holanda, em 2008.

Serra teria sugerido que a CAF dividisse a encomenda com a Siemens, subcontratando a empresa alemã para a exucução de 30% do contrato, ou que a CAF encomendasse à Siemens alguns componentes dos trens. Em outro e-mail, de setembro de 2007, Marchetti afirmou que o governo paulista "gostaria de ver a Siemens contemplada com pelo menos 1/3 do pacote" da CPTM, em "parceria" com as outras empresas.

Tornada pública a delação, a grande imprensa tratou de amenizar o impacto.

Em reportagem de 8 de agosto do último ano, a Folha informou que "Serra sugeriu acordo em licitação da CPTM". Como em uma negociação, o jornal vendia que o email de Marchetti mostrava o "esforço" de Serra para não prejudicar a licitação. E à própria Folha, Serra disse que não se encontrou com executivos das empresas interessadas no contrato e que a "licitação foi limpa", com "vitória da empresa que ofereceu menor preço".

Em outra reportagem, a Folha de S. Paulo mostra que Serra negou apenas "encontros privados" com o diretor da Siemens e confirmou ter ido à conferência em Amsterdã "para assistir a algumas solenidades e palestras".

Na entrevista concedida ao jornal, o ex-governador e atual senador disse, ainda, que "os preços finais foram tão mais baixos que quebraram paradigmas nacionais e internacionais". "Economizamos recursos públicos", declarou Serra e divulgou a Folha.

O ex-governador rebateu a acusação afirmando que seu teor era “sem pé nem cabeça”. "Jamais tive ou assisti essa conversa com ninguém, nem faria sentido. A licitação já estava feita. (…) Caberia à empresa vencedora [CAF] fornecer os equipamentos, os preços e os prazos estabelecidos".

A versão de defesa da negociata feita por Serra publicizada pela imprensa em agosto de 2013 passou tão bem aos olhos do senador que a própria assessoria do tucano assumiu o discurso.

Um ano depois, com a intimação do tucano pela Polícia Federal, a assessoria informou em nota que o procurador-geral "reconheceu que Serra atuou de maneira a evitar qualquer cartel quando esteve no governo", assumindo as tratativas do então governador. Ainda que sem citar a conversa com o executivo da Siemens, Serra disse que defendeu o interesse público ao se opor à medida judicial da Siemens, já que o preço da CAF era muito mais baixo.

Cartel é "super comum"

As divergências nas declarações de Serra não param na ocorrência ou não do encontro com Marchetti. Elas se estendem sobre o que o tucano pensa e fala a respeito da formação de cartel e sobre a possibilidade de ela ter ocorrido bem debaixo de seu nariz.

Um ano depois de ter negado a reunião na Holanda, o tucano, na saída de um evento em São Paulo, disse à imprensa que a formação de cartel é um “fenômeno super comum”, e que não pode ser vista do ponto vista moral, pois é de praxe que as empresas se articulem para negociar um preço.

"Você não me perguntou isso, mas posso dizer aqui para a mídia: cartel virou sinônimo de delito, mas cartel não é nada mais nada menos que monopólio. (…) Quando os jornais do interior combinam de aumentar e diminuir preço do jornal, há cartel aí. De repente em estação de metrô, em obra pública, diz que se formou um cartel e parece que foi roubo, mas é o mesmo que se dizer que se formou um monopólio, um oligopólio, um duopólio", opinou, em agosto passado.

No Brasil, a formação de cartel é irregularidade administrativa, passível de pena de até cinco anos para quem abusar do poder econômico contra o consumidor. É ainda um dos crimes que impulsionou a criação do CADE, vinculado ao Ministério da Justiça.

Fonte: Jornal GGN