Iêmen 2014: uma crise de muitas arestas

Concluído o Diálogo Nacional no princípio do ano, no qual emergiram acordos para a solução da crise que atravessa o país há mais de três anos, Iêmen se encontra no ponto de partida de um conflito cujas raízes são seculares.

Iêmen

A gravitação na cena política desse empobrecido país da Al Qaeda na Península Arábica (AQPA), ainda que reduzida nos dois últimos anos, resulta um importante fator de desestabilização ao qual não se vê uma saída imediata dadas as suas características étnicas e religiosas.

Uma das fórmulas adotadas pelo Diálogo Nacional para enfrentar o regionalismo foi federar o país em seis regiões dependentes das autoridades centrais, mas a solução resultou no clássico remédio pior que a doença, pois causou a inconformidade da tribo huti, que se revelaria como um fator a ter em conta.

Composta por membros da escola de pensamento zaidita da seita chiíta do Islã, os huti impugnaram o acordo de federação por considerar que os situa em uma zona sem recursos naturais e, pior ainda, carecida de saída ao mar.

Concluídas no princípio do ano em uma nota de violência pela morte em um atentado do delegado huti, Ahmad Sharaf el Din, um professor universitário, os diálogos também foram insuficientes para resolver problemas urgentes tais como a demanda de secessão do Movimento do Sul.

Também não uma ofensiva militar contra AQPA em zonas do centro e do sul, apoiadas pela aviação estadunidense, conseguiu os resultados apetecidos, pois essa milícia continua ativa.

Nesse contexto, os huti, que registraram êxitos militares na campanha contra o Exército e tribos sunitas no norte, unidas às autoridades sauditas, iniciaram em setembro uma exitosa campanha militar que os colocou no controle de zonas em Sanaa, a capital do país.

Desde antes da explosão de combates, partidários de Ansar Ullah, um dos braços armados hutis, tinham conseguido paralisar a capital com acampamentos de protesto em reivindicação pela constituição de um novo Governo submetido à supervisão para evitar a corrupção da equipe dirigida pelo primeiro-ministro Mohamed Basindawa.

No domingo 21 de setembro, depois de uma mediação do enviado da ONU para o Iêmen, Yamal Bin Omar, foi assinado um acordo entre as autoridades e os hutis para pôr fim a semanas de sangrentos choques com a formação de uma nova equipe ministerial e a renúncia de Basindawa.

Contudo, no fim do ano a colisão entre as autoridades e a tribo do norte permanece inerte por diferenças sobre as figuras que integram o gabinete e depois da adoção pela ONU de sanções contra o renunciante ex-presidente Alí Abdullah Saleh e dois membros da tribo huti.

Na complexa malha do conflito iemenita, agravado pela presença militar norte-americana, os hutis e o ex-presidente Saleh, com o qual os primeiros estiveram em conflito durante anos, encontraram um ponto de convergência ante a relutância governamental de se ater aos acordos vigentes, mas descumpridos.

Por paradoxos da política, apesar do evidente conflito de vontades e de interesses que enfrenta o presidente iemenita Abd Rabu Mansour Hadi com a direção huti, ambos estão unidos como em sorte de matrimônio por conveniência indispensável contra AQPA, síntese das ramificações iemenita e sunita da rede Al Qaeda.

Essa união conta com a discreta complacência dos Estados Unidos, que tem especialistas infiltrados no Iêmen no marco de sua denominada guerra contra o terrorismo.

No fim do ano passado membros da AQPA atacaram as instalações de um complexo do Ministério de Defesa em Sanaa, a capital, em uma operação que resultou na morte de meia centena de pessoas, em sua maioria médicos e enfermeiras estrangeiros que trabalhavam no hospital militar.

Em um comunicado posterior o grupo islamista esclareceu que o objetivo do ataque foi a sala de controle dos voos de aviões não tripulados que com frequência atacam suas posições e disse que a morte dos voluntários violou a ordem explícita de não lhes causar dano.

No princípio deste mês de dezembro forças estadunidenses lançaram uma operação para resgatar dois reféns das mãos da AQPA, o fotógrafo norte-americano Luke Sommers e o professor sul-africano Pierre Korkie, que terminou em um grande fiasco com a morte de ambos.

Em termos regionais, as pressões exercidas pelos países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), autores do programa de transição após a renúncia de Saleh, constituem outro fator de discórdia por sua oposição à influência dos hutis que têm expandido sua presença até a cidade portuária de Hudeida.

A magnitude da crise iemenita foi descrita em poucas palavras pelo mediador da ONU, que confessou ao Conselho de Segurança que "Iêmen ainda enfrenta enormes desafios".

Entre esses desafios está o fato de que os integrantes do CCG acusam os huti e a Ansar Ullah de estarem apoiados pelo Irã conferindo uma dimensão regional ao conflito que, no término do ano, aparece tão complexo como sempre.

Fonte: Prensa Latina