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A poesia de Rosana Piccolo

O Letras Vermelhas desta semana traz a obra da poeta paulistana Rosana Piccolo, formada em Filosofia pela USP e em Jornalismo pela Fundação Cásper Líbero. Estreo em 1999, com o livro de poemas em prosa Ruelas Profanas (Nankin), seguido por Meio-Fio (Iluminuras, 2003), Sopro de Vitrines (Alameda, 2010) e Refrão da Fuligem (Patuá, 2013).

Rosana Piccolo - Arquivo pessoal

Mais tarde participou das antologias Paixão por São Paulo, Roteiro da Poesia Brasileira – Anos 90, Outras Ruminações e Decacérebro Ibis Amarelo, além de revistas e boletins literários, como Zunái, Mallarmargens, Alguma Poesia e Zona da Palavra, entre outros.

Veja seis poemas de Rosana Piccolo:

Quadrilátero

Enegrecida pétala no canto da boca, tão cruel
a queimadura do cachimbo:
petúnia da lepra

lázaros, onde vossos alertas?¬¬
______________________________ não vos pisa o cavalo da polícia
com medo do contágio
onde o milagre
que derrote a sepultura?

Valha-me, Nossa Senhora da Luz
farol de brumas selvagens
teu primitivo altar

já não enxergas a face
de teus vaga-lumes dementes

¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬________________________________essas ruas
fumam teus olhos
como duas pedras acesas

Telhas de zinco

lírios de fogo à meia-voz
onde coturnos pisam cadáveres
e bailes funk

o dia raia sem esperança
para as que saem primeiro
para lavar o vômito, o fétido cinzeiro
dos condomínios protuberantes

aprenderam com o tempo
e sabem

não haverá poente
a lamber o retorno
às caveiras de cimento
nenhum paraíso
entre o miado das lâmpadas

Crime perfeito

– um engolidor de fogo no espelho da criança, o querosene
– a chama vagarosa subiu pela cortina, fez-se o incêndio
– se destruiu os barracos, se lambeu todos os becos
– foi fagulha! fogo de artifício derramado no varal
– a vela acesa, o pavio indeciso, foram castiçais do inferno
– foi a queda, o balão arlequinal, fez-se o incêndio
– fósforo riscado, cigarro adormecido na beira do lençol
– foi a cobiça, a retroescavadeira maquiada de dragão

Meninos

Subproduto do acaso. Sujos,
lagarta nas ventas intoxicadas, lambuzam-se
na poça da desonra
a lama é a sua primeira escola

Sujos e nus. Saltam em piscinas imaginárias
iniciantes na gíria dos vendedores da morte

Rua 6/7 – s/n˚
quase a inscrição de uma cela
____________________ monarcas onde serão, absolutistas
____________________ ou travesseiros de sangue

mal aprendem a chorar, recebem na boca
uma colher de pimenta

Asa ferida

manhã-assoalho
tamanha é a pressa do vento

(a echarpe dos anjos enforca torres urgentes)

ruas vomitam pernas
quando não negras, azuis-celestes
pisam a alma das macabéas

na pia judiada dos bares
migalha de pão com mortadela

Largo dos Curros

é triste a Praça da República
sob a burca da noite

espinhos fluorescentes
ferem bonecas platinadas
fantasmas de talco
a fala das violetas na boca
dos meninos
em camas de papelão

triste é a Praça da República
ao microfone do último metrô

não o ouvem as estátuas
atentas ao mugido de um touro
assassinado

nunca dirão o que sabem
as estátuas

Do Portal Vermelho