Votação da reforma política fere a Constituição, diz Davidson

Ninguém entendeu o que aconteceu na Câmara dos Deputados durante a votação, no final do mês passado, da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 182/07, que pretende fazer uma reforma política no Brasil. Em um primeiro momento, a posição da Casa foi de rejeitar o financiamento empresarial de campanhas, um dos pontos mais polêmicos da proposta, mas, com a repercussão, os deputados voltaram atrás da decisão, imediatamente.

De um dia para o outro, 71 parlamentares mudaram o voto e aprovaram o financiamento empresarial, a partir de uma manobra feita pelo presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A ideia de Cunha foi de mudar no texto proposto a forma como as doações poderiam acontecer: não mais direcionadas aos candidatos (pessoas físicas), mas sim aos partidos (pessoas jurídicas), que estariam autorizados a repassar o dinheiro aos candidatos.

A bancada do PCdoB foi unânime no voto contrário à proposta nas duas votações e tem denunciado a inconstitucionalidade da segunda, por entender que a pauta já tinha sido rejeitada e, sendo assim, não poderia ser votada na mesma legislatura. É o que explica o deputado federal Davidson Magalhães, que também é vice-presidente do Comitê Estadual do PCdoB na Bahia, em uma entrevista ao Vermelho. Confira os principais trechos:

Inconstitucionalidade

Foi votada, nesse emaranhado de propostas da chamada reforma política, que, na verdade, termina sendo uma reforma eleitoral, e foi derrotada uma emenda que possibilitava o financiamento das empresas para candidatos ou para partidos. Isso foi derrotado. Numa manobra, o presidente [da Câmara, Eduardo Cunha] reapresentou no outro dia e passou, contrariando a Constituição, que diz que, em uma mesma legislatura, não pode ser apreciada duas vezes proposta que tenha sido recusada. Só poderia, então, ser votada na próxima legislatura. Foi, portanto, um erro, uma afronta à Constituição e isso será julgado pelo Supremo [Tribunal Federal].

Debandada

Não sei quais foram os mil motivos que fizeram alguns deputados bandearem de lado da primeira à segunda votação em relação ao financiamento público de campanha. Agora, tenho certeza que foi uma pressão, não sei de que segmentos vieram, se foi dos empresários cobrando sua conta. Não querem perder esse vínculo, pois é a forma que possuem de interferir na administração pública.

Demagogia

Ao mesmo tempo, isso dá uma dimensão exata de quanto existe de demagogia nesse enfrentamento que certos setores, principalmente da direita brasileira, fazem ao combate à corrupção. Nós sabemos que a grande porta de entrada da corrupção na política brasileira está relacionada ao financiamento privado, ou seja, financiamento das empresas, porque se estabelece uma relação promíscua no processo eleitoral. O pior financiamento é esse, que é escondido. O empresário financia durante a campanha para tomar, após a campanha, sobre a forma de favores esparsos na máquina administrativa e serviços públicos em ações da administração.

Financiamento público

Nós defendemos o financiamento público porque já existe uma parte dele, que é o fundo partidário. Temos que ampliar esse fundo partidário e retirar esse financiamento privado. O financiamento das empresas nas campanhas é nocivo ao bom funcionamento do setor público nacional. Ao longo da História, todos os esquemas de corrupção se iniciam justamente com essa abertura do financiamento, durante a campanha eleitoral.

Luta continua

Nós vamos continuar na luta contra o financiamento de empresas para que, efetivamente, o setor público seja blindado e a administração volte aos interesses do povo, sem essa vinculação promíscua com o interesse das empresas. Nós [a bancada do PCdoB] votamos contra em todas as duas votações desse financiamento. Estamos tendo uma leitura do que está acontecendo no país, desses grandes escândalos de corrupção e todos eles têm ligação com esse financiamento do processo eleitoral.

O que muda?

O que foi aprovado primeiro, que é a votação legal, acaba com o financiamento privado das empresas. Então, precisa ter uma nova forma de financiamento, com definição de limites, financiamento público, etc. Se não prevalecer no Supremo essa visão de que foi uma afronta à Constituição votar duas vezes na mesma legislatura uma matéria já derrotada, o que vai acontecer? Vai continuar do jeito que está e isso é um prejuízo para o processo democrático. Se perdeu mais uma vez a oportunidade de fazer uma reforma política de fato.

De Salvador,
Erikson Walla