A poesia de Roberta Tostes Daniel
Letras Vermelhas desta semana traz a obra da jovem poeta Roberta Tostes Daniel. A carioca tem seus poemas publicados em diversas revistas eletrônicas especializadas, entre elas: Mallarmargens, Zunái, Musa Rara, Diversos Afins, além de blogs e no site do Centro Cultural São Paulo.
Publicado 17/07/2015 16:42 | Editado 13/12/2019 03:30

A obra de Roberta também já integrou algumas antologias: “Desvio para o Vermelho: Treze Poetas brasileiros contemporâneos” (Org. Marceli Andresa Becker – Coleção Poesia Viva – CCSP), “Amar, verbo atemporal” (Org. Celina Portocarrero – Editora Rocco) e “História íntima da leitura” (Org. Fabiana Turci – Editora Vagamundo). Publica periodicamente em seu blog Sede em frente ao mar. http://sedemfrenteaomar.wordpress.com
Leia dois poemas na íntegra:
Junho
Então, os véus se tocam.
Bandeira, gás
o corpo em luta.
Seja no quarto, seja na rua.
Tudo é cálice, todos se bebem
e aludem, apaixonados
quebrando grilhões
músculo estriado
mundo – a luz
que sobre eles desce
é noite mais funda.
£
Deixei o terreno insondável dos pássaros
acordos escusos com azuis
bicos, vermelhos, garras.
Delicadezas imaginadas
musgo e merda
selvagem que cobre o chão.
Caminho sobre selvas desossadas
guerreiros canibais, chorume
bala perdida e gás lacrimogêneo.
A indiferença assassina.
Homens sem rosto assediam
ventres metonímicos e pernas
halterofilistas.
Civilizadamente, deixamos de existir.
£
Decidi amar o que fosse:
gerações de mísseis abandonados
grotas acidentais
o cavar fundo da mina.
Encontrar estilhaços
na topografia
quero dizer
rota do cansaço.
E amar
o travestimento
da parte de quem
conserva intacta
a derme
planetária.
Isto de ser alma
é: laceração.
£
Colocar tapumes no inefável.
Meu nome é chacina.
Meu nome é ninguém.
Insisto em armistícios.
Sabemos que bandeiras
esgotam o céu.
Ter uma casa de chamados.
Concreta e aveludada
as bandeiras certas
não foram ainda empunhadas –
sobre elas os punhos da opressão.
Eu descia a cidade e o sol sabia que
éramos fracos.
Havia um conclave em Maio
feito de acontecimentos minúsculos.
Ao redor da nossa paixão
uma coisa gigantesca não é enunciada.
£
*
Luxúria
De quanto eu te olho.
Quando o caminho é feito
de grandeza e cascata.
O cheiro notívago, galhos que somos.
Do estar sem pauta.
Tinta do esmalte, rasgando.
Casas em suas manhãs
suspensas.
Desmedido no pincel dos dedos
o certeiro.
£
Toda floração –
rebentável enigma
sucede imigrante.
Para cada veio
a modéstia dos regatos.
Eu me fundo
caiada e transparente
como as banhistas de Malevich.
E o meu corpo
um sol negro
diz: Virgínias.
E a voz sem sombra
desce onde
ninguém vai.
Afloro
meu mosaico de perdas.
£
Foi preciso muita palavra
até arrancar deste silêncio
um lugar seguro.
Que não dá o seu paradeiro
leva minhas pernas
antiogiva de mim.
Recuso fragmentos
tenho força de abandonar
o caminho escuro.
O que seja a minha lei
desfaço
abro-me ao sol inteiro:
quero um corpo para dizer.
£