Dez anos do Katrina: os EUA perpetuaram os erros

No décimo aniversário da destruição provocada na costa leste dos Estados Unidos pelo furacão Katrina, a associação de enfermeiras Registered Nurse Response Network (RNRN), que enviou voluntárias para ajudar os atingidos pela catástrofe, afirma que as lições não foram aprendidas. Mudança climática, inexistência de sistema nacional de saúde e o fracasso no investimento em infraestrutura pública não foram enfrentados, segundo a associação.

Evelyn Turner Xavier Bowie Katrina

Representantes da associação retornaram à região esta semana para apoiar os moradores e destacar os problemas, que ainda estão presentes apesar de decorridos dez anos.

"As coisas não são as mesmas, elas pioraram", afirma Malinda Markowitz, que é vice-presidente da associação e participou no auxílio às vítimas. "Como enfermeiras, sempre procuramos ir às raízes das causas das doenças, e o Katrina expôs todas elas: a desigualdade social, o racismo, a ausência de um serviço de saúde pública, como nós sucateamos a infraestrutura pública e como nossa dependência em combustíveis fósseis aceleraram a mudança climática. Neste aniversário, estamos trabalhando novamente para tentar corrigir alguns destes problemas", continuou Malinda.

O Katrina atingiu a região do Golfo do México e de Nova Orleans, forçando a saída de milhares de pessoas de suas casas e aprisionando, até matando, aquelas que não puderam deixá-las. A RNRN prestou trabalho de assistência às áreas afetadas.

As enfermeiras, hoje, afirmam que não foi estabelecido um sistema de emergência coordenado para responder às crises geradas tanto pela natureza quanto pelo homem, como um desastre daquelas proporções. Cada esfera de poder elaborou e pôs em prática planos distintos, o que resultou em caso, segundo as enfermeiras.

Apesar do caos, o trabalho das enfermeiras do RNRN consistia em auxiliar o sistema de saúde local, substituindo as trabalhadoras de hospitais locais que já estavam exaustas. Foram disponibilizadas 300 enfermeiras para a região.

Em Baton Rouge. a associação tomou o lugar das enfermeiras que trabalhavam no hospital Earl K. Long Medical Center, hoje fechado e que era o único público de toda região. RNRN também enviou voluntárias para outras partes do golfo e prestaram socorro aos flagelados que foram direcionados para o estádio de Nova Orleans, o Houston Astrodome.

Problemas sistêmicos

Elas apontam que a mudança climática, que aumenta os perigos e efeitos dos furacões, por exemplo, não foi encarada pela maior parte das nações do planeta, a despeito de numerosos tratados e congressos. Não se tentou mudar ainda a matriz energética principal, que utiliza combustíveis fósseis e é responsável em parte pela mudança no clima e os Estados Unidos ainda são, e serão, o país que mais emite poluentes na atmosfera.

A associação também destaca que milhões de habitantes da região do Golfo ainda estão sem assistência médica. Ao mesmo tempo que a mudança na legislação proposta pelo governo federal melhorou o acesso de pobres ao sistema de saúde público, estados do Golfo – Louisiana, Mississipi, Texas, Alabama e a Florida – se recusaram a adotar as mudanças e, assim, mantiveram milhares de moradores de baixa renda sem planos de saúde ou outro tipo de cobertura.

A RNRN também aponta a gravidade da situação social e da infraestrutura e recursos públicos. Hospitais públicos atingidos jamais reabriram as portas, como o Charity Hospital em Nova Orleans. Hospitais universitários como os que eram da rede pertencente à Louisiana State University, jamais reabriram. Até o bom sistema educacional público da região foi fechado e depois privatizado.

A disparidade social na época posterior ao furacão se tornou ainda maior. Uma pesquisa recente da Louisiana State University indica que mais de 80% da população branca de Nova Orleans acredita que a cidade já se recuperou do desastre, enquanto 60% dos moradores negros da cidade afirma que "a maior parte da cidade não se recuperou".

Segundo o site 538.com, a maioria dos negros está desempregada, com números superiores aos registrados antes de o furacão atingir Nova Orleans. Estima-se que mais de 100 mil cidadãos negros pobres não puderam retornar a seus lares após a catástrofe.

Na fotografia que ilustra esta reportagem, Evelyn Turner, à direita, com amigos e familiares, aguarda que o corpo de seu marido, Xavier Bowie, seja levado pelo serviço público. Bowie, que tinha câncer de pulmão e respirava por meio de cilindros de oxigênio, morreu na noite anterior, 29 de agosto de 2005, quando a reserva de seu cilindro se esgotou. Eles não conseguiram deixar a cidade e o serviço público não se organizou previamente para atender os pacientes.

"Essas populações estão mais vulneráveis hoje que antes do desastre", afirma Bonnie Castillo, diretora da RNRN. "O Katrina nos mostrou que esses serviços – habitação pública, educação, saúde e segurança –, devem ser centralizados e socializados. Ao invés disso, o movimento que se seguiu após a tragédia foi no sentido de descentralizar e privatizar tudo isso.