Antonio Didier Vianna: A estratégia de defesa e o pré-sal

O especial Defesa Nacional do Portal Vermelho publica artigo do comandante e Engenheiro Antonio Didier Vianna, de 2010, porém atual, em que ele associa a importância dos recursos do pré-sal, para a viabilização dos nossos meios de defesa naval.

Publicado no Blog Desenvolvimentistas

Petrobras - Divulgação.

"Com o surgimento dos campos produtores dos reservatórios do pré-sal, o problema da proteção dessas novas áreas se tornou extremamente complexo. O pré-sal brasileiro ficou na dependência da soberania do país, assunto que envolve todas as forças vivas da Nação na construção de estratégias, meios e envolvimento de toda a sociedade para garantir o produto e a posse dessas jazidas. O Brasil tem uma posição muito forte sobre essas jazidas, uma vez que foram descobertas, delimitadas, medidas e viabilizadas pela Petrobras, mas talvez não seja suficiente, para garantir a plenitude do uso como único proprietário, exigindo outros enfoques, argumentos e posições e imposições.

A Estratégia de Defesa Nacional em vigor, aprovada por decreto 6703 de 18/12/08 do governo, estampa na sua Introdução: “Se o Brasil quiser ocupar o lugar que lhe cabe no mundo, precisará estar preparado para defender-se, não somente das agressões, mas também das ameaças. Vive-se em um mundo em que a intimidação tripudia sobre a boa fé. Nada substitui o envolvimento do povo brasileiro no debate e na construção de sua própria defesa”.

Essa política foi estabelecida quando ainda inexistia definido o tamanho da riqueza do pré-sal. Agora não se pode perder tempo e estar cada vez mais preparados para repelir as ameaças de exploração externa dessa nossa riqueza que breve surgirão, pois teremos a ganância financeira generalizada acrescida das necessidades estratégicas da energia do petróleo que move o mundo atual e que está ficando cada vez mais escassa nos países dominantes. Como a construção dessa Defesa é um processo continuo e permanente, é preciso manter nossa sociedade informada de modo a obter a participação do povo nos processos desse desenvolvimento e se necessário no engajamento direto nas ações.

O Congresso Nacional colocou sob a responsabilidade da Marinha a fiscalização e a proteção das áreas de produção off-shore e destinou parcela fixa dos royalties da produção de petróleo dessas áreas como recursos adequados para isso.

A fiscalização foi organizada pela Marinha em cooperação com o IBAMA e tem sido realizada com eficiência em caráter permanente. A Petrobras que opera a quase totalidade das plataformas off-shore tem priorizado investimentos para que suas equipes de operação das plataformas possam garantir plena execução das leis ambientais. Entretanto, a PROTEÇÃO, converteu-se num problema crucial.

Atentar para o seguinte: as reservas descobertas do pré-sal dividem-se em três áreas marítimas bem distintas

1- Mar territorial brasileiro. – sem problemas. Aceitação internacional do domínio brasileiro sobre essas áreas.

2- Zona econômica exclusiva (ZEE). Essa zona vai até o limite de 200 milhas náuticas (cerca de 370 km) além do mar territorial. As normas de exploração dessa região estão fixadas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982. No entanto cerca de 40 nações não assinaram ou ratificaram a convenção, ai incluídos os EUA e a Venezuela. Nesta zona é que está a maior parte das reservas do Pré-sal. O Itamaraty deveria pressionar o presidente Lula para conseguir que o presidente Chávez da Venezuela ratifique essa convenção. Eliminaria um, próximo da área e ativo em petróleo.

3- Mar internacional – há uma faixa da reserva do pré-sal localizada na área de mar internacional. Esta faixa está sendo reivindicada pelo Brasil de acordo com o dispositivo do tratado que garante aos países direito sobre sua “plataforma continental”. Foi requerido à ONU o direito sobre 960 mil km² de plataforma continental em 2004, mas ainda não houve definição. Portanto essa parcela das reservas do pré-sal situadas no mar internacional, ainda é “patrimônio da humanidade”. Deverá ser atuação prioritária de nossas Relações Exteriores a obtenção da aprovação, dessa nossa pretensão.

Pela Lei 9478/97 – conhecida como Lei do Petróleo, o Congresso Nacional determinou, no seu Artigo 49, que a parcela do valor do royalty que exceder a 5% da produção terá a seguinte distribuição (vide Lei 10261/01):

I – quando a lavra ocorrer em terra.

II- quando a lavra ocorrer na plataforma continental (off-shore)

a) 22,5% aos estados produtores confrontantes

b) 22,5% aos municípios produtores confrontantes

c) 15% ao Ministério da Marinha para atender aos encargos de fiscalização e proteção das áreas de produção

d) 7,5% aos municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural

e) 7,5% para constituição de um Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Estados, Territórios e Municípios.

f) 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico, relacionados ao produto.

Já imaginaram se a ONU decidisse licitar blocos de exploração do Pré-sal sob o mar internacional? E exigir royalties para as Nações Unidas pela exploração de jazidas que pertencem à humanidade? E se uma empresa pirata resolver se instalar na área? E se os EUA e outros países que não endossaram a Convenção dos Direitos do Mar exigir uma participação na produção da ZEE, como condição para assinar a dita Convenção. Que condições o Brasil poderia e deveria dispor para enfrentar as possíveis ameaças a essas nossas riquezas?

O país assistiu no Congresso e na mídia uma demonstração publica de cobiça generalizada pelo dinheiro dos royalties não somente pelo que seria gerado pelo Pré-sal, mas também pelo que está sendo produzido pelas plataformas existentes com destinações especificas já estabelecidas pelo Congresso Nacional através da Lei do Petróleo. Essa cobiça que faz parte da mente do ser humano, não é só de políticos brasileiros, mas também de nações que desde que existem procuram saquear os mais fracos e também dos piratas que sempre povoaram os mares do mundo.

Como a riqueza do pré-sal é muito grande e será explorada pelos próximos 80 anos, é preciso concentrar recursos para progressivamente adequar nossas defesas e construir um aparato de dissuasão para impedir que essas cobiças, inclusive dos brasileiros inescrupulosos, venham desviar e perturbar a utilização dos benefícios que advirão dessa exploração pela sociedade brasileira.

É obvio que, antes de se falar em royalties do pré-sal, isto é, do lucro liquido da exploração, é preciso garantir abrangência e independência para administrar e gerar recursos para desenvolver os campos, o que permitirá essa exploração. Os royalties são consequência de empreendimento bem sucedido. A prioridade tem que ser focada no planejamento e nos recursos para viabilizar esse empreendimento, e paralelamente, com a mesma determinação, como protegê-lo da cobiça externa. Essa é uma riqueza excepcional e o país precisa aglutinar competências para fazer um planejamento cuidadoso e sem pressa para ir desenvolvendo os campos paralelamente com os recursos financeiros, de pessoal qualificado, de equipamentos e sistemas de segurança operacional para garantir a produção continua desse petróleo sem desastres como o do Golfo do México que podem consumir os royalties.

Temos observado a pressa com a intenção de utilização das providencias sobre o pré-sal em ativo político, visando vantagens de imagem para as próximas eleições de Outubro de 2010. Por favor, se abstenham desse desserviço ao país. Deixem o grupo competente trabalhar, sem pressões políticas e de pressa, para construir condições para nossa sociedade beneficiar-se continuamente e com segurança dessas riquezas.

O que vimos no Congresso na cobiça pelos royalties foi uma demonstração do desvario de desqualificados querendo se apropriar indebitamente dos ganhos dos outros sem terem executado qualquer trabalho ou contribuição para criação daquelas riquezas. Quem não tem competência para geração riquezas, também não tem para gasta-las. É preciso isolar essa turma de insensatos, do planejamento e execução do pré-sal.

Embora não tenha sido divulgada para a sociedade, por não termos essa cultura nos governos, o Ministério da Defesa tem atuado para fortalecer nossa soberania. O país tem hoje uma “Estratégia de Defesa” muito bem costurada e tornada publica por Decreto do Presidente da Republica. Paralelamente está implantando o ali estabelecido dentro dos limites de recursos do governo.

Por exemplo. O melhor meio de dissuasão contra piratas ou ações semelhantes é a disponibilidade de submarinos nucleares. Esses são os únicos que podem negar os mares a qualquer inimigo. Foi assinado um acordo com o governo francês para completar o desenvolvimento do Submarino Nuclear brasileiro e toda a infraestrutura de suporte de nossa flotilha de submarinos. O programa tem financiamento do Governo Francês e está em plena execução. Os royalties destinados em Lei do Congresso para a Marinha são suficientes para pagar todo esse programa, desde que liberado para esse fim. Não precisa depender do Tesouro, nem do Orçamento anual da República votado pelos Congressistas. Basta cumprir o que já foi transformado em Lei pelo Congresso. Evita-se assim o que aconteceu com Angra 3 que teve paralisada sua obra por 20 anos e o próprio Programa Nuclear da Marinha cujo projeto do seu submarino nuclear ficou no limbo por 10 anos. O Congresso está discutindo agora a cobiça pelos royalties, entretanto é importantíssimo manter o royalty destinado a proteger as áreas do Pré-sal que o Congresso atribuiu à Marinha como condição para que a Marinha possa desenvolver os meios de dissuasão que fortalecerão nossa soberania e protegerão nossas jazidas.

O Ministério da Defesa está também no processo de aquisição de um grupo de aviões de caça e de transporte de pessoal e material para suportar nossa Estratégia de Defesa. Essas ações fortalecem a nossa soberania e essa cobertura aérea é também necessária à proteção das áreas do Pré-sal. Desenvolver as ações previstas na Estratégia Nacional de Defesa são vitais para ir construindo o reforço continuo da soberania nacional, base para qualquer tipo de enfrentamento.

O Brasil dispõe de completo domínio do ciclo de combustível nuclear. Produz seu próprio urânio e as centrifugas para enriquecimento. Como o tratado de não proliferação (TNP) permite o enriquecimento até 20% por qualquer país, esse foi o escolhido para utilização nos submarinos nucleares da Marinha, que não são considerados armas nucleares. Embora nossa Constituição proíba o uso de armas nucleares, é bom que fique bem divulgado que o Brasil não fabrica bombas atômicas por decisão própria do seu povo e do seu Congresso, mas não ameacem a nossa soberania, pois rapidamente é possível o Congresso Nacional reverter essa posição e determinar a produção de algumas bombas atômicas para fortalecer a dissuasão e desestimular as ameaças. Não precisaríamos mais de um ano para telas prontas para uso. Essa informação, que é verdadeira, ajuda a dissuasão e fortalece nossas posições.

O Ministério da Defesa se negou à imposição americana para que proibíssemos a divulgação do livro “Física dos Explosivos Nucleares” do Dr. Dalton Barroso do Instituto Militar de Engenharia (IME). Lá estão didaticamente descritos todos os detalhes físicos e técnicos para a construção dos diferentes artefatos nucleares. É também um reforço para dissuasão saberem que o Brasil dispõe de competência e instalações para tornar a matéria prima disponível para desenvolver a bomba atômica. Foi positiva a posição do Ministro da Defesa. É preciso ser direto e intransigente quando afetando nossa soberania. É preciso que o mundo fique consciente do que foi exposto acima. Assim seremos respeitados, ajudando a dissuasão.

Os militares não desenvolveram cultura de marketing, assunto inexistente nos currículos de suas Escolas. No mundo moderno, o marketing tem força de persuasão que muitas vezes faz reverter até conceitos arraigados na sociedade. Substitui a espionagem e as atividades de quintas colunas, forças da época das guerras do século passado. Com a rede Internet cada vez mais generalizada, o marketing se converteu no vetor estratégico de qualquer empreendimento. É preciso incorporá-lo em todos os procedimentos relativos a nossa Defesa. Assim estará sendo cumprindo o que determina o Decreto da Estratégia Nacional de Defesa, e é uma das condições para o sucesso desse programa."