Marco Civil da Internet é ameaçado por bancada conservadora 

A Comissão de Defesa do Consumidor promove duas audiências públicas, na quarta-feira (30), para discutir a regulamentação do Marco Civil da Internet. Conhecido como a “Constituição da internet”, o Marco Civil, aprovado pelo Congresso Nacional no ano passado, define direitos e deveres de usuários e provedores de internet. E sofre ameaça de mudanças na discussão sobre a regulamentação da lei. 

Marco Civil da Internet é ameaçado por bancada conservadora

O debate na Câmara foi sugerido pelos deputados Vinicius Carvalho (PRB-SP), Eli Corrêa Filho (DEM-SP) e Ricardo Izar (PSD-SP). Segundo Izar, “é preciso discutir melhor e mostrar que o Marco Civil foi aprovado de forma açodada, na correria. Ficaram muitas lacunas, como as questões dos crimes na internet, do controle dos pais e tantas outras coisas que vão desfavorecer o consumidor final”, diz Izar.

Na semana passada, o relator do projeto de lei na época da votação, deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), denunciou a proposta de retrocesso no assunto. Ele conseguiu evitar, com um pedido de retirada de pauta, a votação de matéria, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, que retira garantias estabelecidas pelo Marco Civil da Internet e compromete o direito à privacidade dos internautas brasileiros.

Segundo Molon, a proposta do deputado Juscelino Filho (PRP-MA) que estava pautada para ser votada na CCJ, entre outros pontos, autoriza que dados dos usuários poderão ser repassados à autoridade policial sem a devida ordem da Justiça, afrontando não apenas o que estabelece o Marco Civil da Internet, sancionado no ano passado pela presidenta Dilma Rousseff, mas em desobediência, sobretudo, ao que determina a Constituição Federal, quanto à privacidade e ao sigilo de dados dos indivíduos.

A proposta determina ainda que as informações poderão ser repassadas não somente “mediante ordem judicial”, mas por “requisição da autoridade competente” – neste caso, a autoridade policial.

Dessa forma, durante a investigação, o agente policial teria à sua disposição – sem intermediação do Poder Judiciário – os registros de conexão e de acesso a aplicações de internet, associados ou não a dados pessoais, fragilizando a privacidade dos internautas.

Matéria equivocada

O deputado Alessandro Molon, que foi relator do Marco Civil da Internet, apresentou na CCJ voto em separado à matéria apontando os equívocos do parecer. “O substitutivo pretende remover uma das principais conquistas da sociedade, que é justamente o direito de não ter registros revelados a autoridades investigativas sem ordem judicial”, ressalta o deputado no seu voto.

Molon argumenta que também não foi por acaso o disciplinamento presente no Marco Civil da Internet, que vinculou à autorização judicial específica o fornecimento de informações às autoridades encarregadas da investigação de crimes e outros ilícitos cometidos.

“Não foi uma simples opção legislativa, mas sim uma medida necessária em respeito ao devido processo legal, com o intuito de assegurar que as provas coletadas sejam sempre consideradas válidas”, explica o parlamentar, acrescentando que fornecer dados de usuários da internet, sem ordem judicial específica, representaria desobediência às normas constitucionais, “já que quaisquer provas obtidas em desobediência à Constituição Federal e fora do devido processo legal são consideradas inadmissíveis”.

A alteração proposta no substitutivo, segundo o petista, também não se justificaria na necessidade de garantir a preservação das provas, evitando que elas fossem desfeitas antes de chegar à autoridade encarregada pela investigação. Isso porque o próprio Marco Civil da Internet já assegura às autoridades policiais solicitar a preservação dos registros, até que o acesso aos dados seja previamente autorizado pela Justiça.

“Somos contrários às alterações propostas à Lei 12.965, de 2014 (Marco Civil da Internet), pois criariam celeuma prejudicial à investigação, coibição e punição de crimes cometidos online, além de violarem todos os direitos e garantias fundamentais que expusemos.”

Regulamentação

O Marco Civil da Internet teve origem em um debate público realizado em 2009 pelo Ministério da Justiça. Após a discussão e aprovação pelo Congresso, o governo abriu neste ano consulta pública na internet sobre a regulamentação da lei. Depois de três meses recebendo opiniões, o Ministério da Justiça agora sistematiza as contribuições para uma proposta de regulamentação. Uma minuta de decreto será encaminhada à Presidência da República, possivelmente ainda neste semestre.

Para os debates marcados para esta semana, na Câmara dos Deputados, foram convidados, para a primeira audiência, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo; o conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) Rodrigo Zerbone; e representante das empresas de telefonia; para a segunda, representantes da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI).