Jornalista aciona justiça após agressão por usar camisa contra o golpe

Uma jornalista denunciou ter sofrido desrespeito em um restaurante na Praia de Iracema, em Fortaleza, por usar camisa contra o processo de impeachment de Dilma Rousseff. De acordo com Ana Alice Nogueira, o chef de cozinha do estabelecimento reclamou da blusa usada por ela e chegou a expulsá-la do restaurante. A jornalista entrou na Justiça contra o estabelecimento, solicitando retratação pública e indenização por danos morais.

Jornalista aciona justiça após agressão por usar camisa contra o golpe

O caso aconteceu durante manifestação contra o atual presidente em exercício Michel Temer (PMDB), realizada no domingo (22), em frente ao Boteco Praia, local do episódio. “Duas de nós portávamos camiseta de um movimento organizado chamado ‘Jornalistas contra o golpe’. Como chegamos cedo ao ato, decidimos ficar em um restaurante em frente. Ocupamos uma mesa e começamos a consumir. Ao lado do Boteco Praia, estava estacionado um trio elétrico que fazia parte da manifestação e decidimos permanecer ali”, explica, acrescentando que estava com cerca de 10 pessoas na mesa.

Até que, segundo afirmou, um funcionário do restaurante, que se apresentou como gerente e chef de cozinha a abordou e perguntou se Ana Alice achava aquele movimento justo, pois precisava trabalhar. A jornalista respondeu informando que o protesto era um ato público, realizado em via pública e marcado com antecedência.

“Ele continuou esbravejando, se apresentou como gerente do bar e disse que a gente não tinha um pingo de bom senso. Eu interpelei: ‘A gente quem? Porque, aqui, eu sou sua cliente e não estou entendendo o que o senhor está me cobrando’. E ele continuou a argumentar que o trio na frente do estabelecimento era um absurdo, que estava fazendo muito barulho e que, inclusive, estava parado em um local proibido. Voltei a insistir que não seria comigo que ele resolveria a questão, e que ele deveria procurar alguém da organização ou a prefeitura”, relatou a cearense.

Conforme publicação no Facebook, Ana Alice afirmou que a discussão continuou até o momento em que o funcionário disse que ela “deveria ter vergonha de estar ali e deveria ir embora”.

“De imediato, não acreditei que o gerente de um estabelecimento estava olhando para uma cliente e afirmando que ela, mesmo consumindo seus produtos, deveria ir embora. Ele afirmou que, se eu estivesse com uma ‘camisa normal’, eu saberia ‘como eles atendem lá’. Eu, indignada, perguntei o que tinha minha camisa, se ela era anormal, alguns colegas interferiram, tentaram argumentar, e ele afirmou que lá só servem coxinhas mesmo, que inclusive esse é o prato principal da casa. Pasmem!”, contou.

Nesse momento, um dos organizadores do trio interveio a favor da integrante do movimento e se colocou à disposição para qualquer denúncia. Outra jornalista, Marina Valente, contou que, ao chegar ao estabelecimento, se deparou com o funcionário “exaltado e gesticulando muito”.

Em entrevista ao Tribuna do Ceará, Marina disse que o chef de cozinha reclamou do alto volume do carro de som e dos veículos estacionados na rua. “O que a gente tinha a ver com isso? Ana Alice, então, falou que ele poderia ligar para o Disque Silêncio e para outras ferramentas, mas ele não deixava ninguém concluir o que estava falando, ficava só interrompendo. Eu fiquei observando aquele homem totalmente alterado, falando de forma grosseira com as pessoas”.

Ela completou afirmando que ainda presenciou o homem falando sobre as “coxinhas” servidas no local, numa referência ao termo usado por militantes de esquerda aos críticos do governo do PT. “Nunca vi um nível tão baixo, cena tão grosseira e de constrangimento que testemunhei. E não mostraram nenhuma solução palpável, um reconhecimento do que houve de errado e uma tentativa de consertar e garantir que a prática deles não será mais aquela”.

Após o ocorrido, Ana Alice anotou todas as provas do que aconteceu e disse que permaneceu no local. “Anotei tudo, porque sou jornalista e me cerco de provas para compor minha história. Realmente, ainda me nego a aceitar esse tipo de retaliação, esse tipo de tratamento hostil, apenas por pensar diferente do outro. Decidi permanecer no local, me neguei a pedir a conta e fiz o gerente olhar para a minha camisa até que eu bem entendesse e quisesse sair dali. Porque, diante de tudo que estamos vivendo, só nos resta a resistência”.

Um dia depois do publicação do caso no Facebook de Ana Alice, um dos representantes do bar entrou em contato pedindo desculpas. “Ele pediu que eu repetisse tudo o que aconteceu, para ter noção da dimensão do acontecimento. Se desculpou muito, disse que o próprio chef de cozinha que nos hostilizou reconheceu o erro”.

A jornalista entrou com uma ação contra o estabelecimento e, nesta quarta-feira (1º), participará da primeira audiência, quando apresentará todo o ocorrido à Justiça. O objetivo de Ana Alice é pedir retratação pública e indenização por danos morais.

“Eles me pediram desculpa em off, mas me hostilizaram em público. Por isso a minha decisão de continuar, para que as pessoas saibam que isso é uma afronta. Em nenhum momento, ele se direcionou por estarmos fazendo baderna, por exemplo. Nós não estávamos com bandeira, com nenhum material, apenas com a camisa. Não tinha nenhum motivo para termos sido tratados assim”, concluiu.

Mais

O Tribuna do Ceará tentou contato com a administração do Boteco Praia durante dois dias; mas, até a publicação da matéria, as ligações não foram atendidas.