Publicado 08/08/2016 10:23 | Editado 04/03/2020 16:24
Em 1999, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, e seu ministro da Justiça, Renan Calheiros, escolheram o delegado João Batista Campelo para diretor-geral da Polícia Federal. Nem era tempo de redes sociais, mas a grita se espalhou feito rastilho de pólvora. O homem aparecia nas listas de torturadores da ditadura militar. O ex-padre José Antônio Monteiro se apresentou como uma das vítimas do delegado. Preso e torturado no Maranhão, sob os auspícios de Campelo. Vacilantes, FHC e seu ministro pediam provas concretas para afastar o nomeado.
As provas que derrubaram o delegado foram reveladas aqui. Estavam em uma pasta laranja, numa charmosa e clássica sala do edifício Palácio do Progresso, no Centro de Fortaleza. Lá era o escritório do advogado Pádua Barroso, morto no sábado, 30/8, aos 77 anos. Na pasta, uma fartura de documentos do processo contra os religiosos José Monteiro e Xavier Gilles Maupeau, por “atividades subversivas”.
Esse é apenas um dentre mais de uma centena de casos de presos políticos que o dr. Pádua defendeu durante a ditadura. Atuou de graça em quase todos. Nunca aceitou o sacrifício de pessoas que se dispunham até a vender o único imóvel para garantir a defesa do ente familiar. Tinha noção do contexto de violência e desespero. Fez o papel dele. Importante, histórico, solidário, humano. Não à toa, era chamado de “anjo da guarda dos subversivos”. Pela crença cristã, um guardião de vidas. Acredito nisso e honro esse legado simbólico do dr. Pádua. Mas agora penso no destino da memória material que ele deixou.
Discreto e metódico, ele construiu um acervo que tem muito a contar da nossa história recente. Penso que ele queria isso. Há 17 anos, quando o encontrei pela primeira vez, para a reportagem
do ‘Caso Campelo’, perguntei o que o motivava a guardar toda aquela documentação. Fala mansa, contou a mim e à jornalista Ariadne Araújo que, durante aqueles anos difíceis, nunca perdeu a esperança na redemocratização do País. Isso o fez reunir um arquivo dos casos nos quais atuou. Quando o ex-padre denunciou Campelo, e o governo não foi checar as fontes oficiais atrás das “provas concretas”, ele se “sentiu no dever de comprovar aquela verdade”. Íntegro. Digno. Merece o futuro.
*Fátima Sudário é jornalista do O Povo.