Advogado alerta para segundo julgamento injusto de Dilma Rousseff 

Em um longo e emocionado discurso, o advogado José Eduardo Cardoso, apresentou a tese de defesa da presidenta Dilma Rousseff, na sessão de julgamento do impeachment nesta terça-feira (30). Ele lembrou que está é a segunda vez que ela é julgada: a primeira vez pela ditadura e agora, no regime democrático. E apelou aos senadores que a absolvessem para que no futuro não tivessem novamente que lhe pedir desculpas. “Votem, por favor, pela justiça e pela democracia.” 

Advogado alerta para segundo julgamento injusto de Dilma Rousseff - Agência Senado

“Não aceitem que o nosso País sofra um golpe parlamentar e uma pessoa honesta, correta, íntegra tenha a pena de morte política para que, no futuro, alguém tenha que dizer: Me desculpe, Dilma Rousseff, pelo que a ditadura lhe fez e pelo que a nossa democracia também lhe fez”, concluiu o advogado, após uma fala em que fez uma avaliação política e jurídica de todo o processo de impeachment contra Dilma.

Na primeira vez em que Dilma Rousseff sentou no banco dos réus foi na época da ditadura militar. As acusações contra ela, que lutava contra a ditadura, pela construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna, eram pretextos que estavam na Lei de Segurança Nacional. As acusações eram colocadas não pelos fatos em si, mas se falava do conjunto da obra.

“Era pelo conjunto da obra que os militantes políticos eram presos, assassinados e torturados. Era pelo conjunto da obra que se puniam a dedo as pessoas que queriam punir, porque precisavam matar a obra”, destacou Cardozo.

Hoje, Dilma Rousseff senta novamente no banco dos réus, após a construção democrática. Hoje , eleita Presidente da República Federativa do Brasil por mais de 54 milhões de votos, a primeira mulher eleita Presidente da República do Brasil, é novamente acusada pelo conjunto da obra e as acusações formais são meros pretextos.

Início do processo

Essas foram as palavras iniciais de José Eduardo Cardoso, que, em seguida, lembrou que o processo começa no minuto seguinte em que Dilma Rousseff ganha as eleições presidenciais. “Uma eleição dura, uma eleição renhida, uma eleição disputada, uma eleição quente, mas uma eleição legítima, em que houve vencedor, ou uma vencedora, e derrotados.”

Após várias tentativas de admitir a eleição de Dilma, com acusações de que o povo vota mal. “Vejam os resultados dos mapas eleitorais: é do pessoal que foi comprado pela Bolsa Família!”; depois de fraude eleitoral e de impugnação das contas de campanha, a oposição derrotada conseguiu, por meio do deputado Eduardo Cunha, o apoio necessário para dar o golpe parlamentar.

O acordo entra a oposição derrotada nas urnas e o PMDB de Eduardo Cunha e Michel Temer veio “no momento em que Procurador-Geral da República divulga a primeira lista de pessoas que estavam submetidas a investigação por força de delações premiadas. Aqui não quero prejulgar nem condenar ninguém, mas foi esse fato que agitou o mundo político brasileiro e se começou a cobrar insistentemente da Senhora Presidente da República que parasse com aquilo. Se continuassem aquelas investigações, haveria uma sangria da classe política brasileira. E a Senhora Presidente da República sempre determinou a seus subordinados que agissem se houvesse abusos, mas jamais dissessem quem deve e quem não deve ser investigado. Isso descontentou muita gente”, contou Cardozo.

E continuou: “A postura republicana da Senhora Presidente da República trouxe problemas no mundo político, e a encarnação desse primeiro problema tem nome e sobrenome: chama-se Eduardo Cunha. Eleito Presidente da Câmara contra a posição da Presidente da República e do Planalto, e apoiado pela oposição.”

“O apoiaram porque sabiam que, naquele homem, poderiam fazer uma junção de interesses para desestabilizar o governo. É só essa a razão que fez – acredito eu e espero que seja assim – com que pessoas que reputo de altíssima índole e capacidade moral tenham apoiado publicamente S. Exª, Eduardo Cunha”, destacou o advogado.

“Dilma Rousseff encarou Eduardo Cunha da mesma forma com que encarou os seus algozes, quando tinha pouca idade, no momento em que foi julgada. E disse: 'Não!'" Não aceito ameaça! Não aceito desafios! Enfrente-me!”E ele, então, tornou-se o vértice de dois grandes agrupamentos: os ressentidos com a derrota de 2014 e os que queriam parar a Lava Jato”, explica Cardozo.

Piores dias

“A soma dessas forças políticas, claramente materializadas na Câmara, tiveram Eduardo Cunha como vértice, e o governo perde a maioria. É a partir daí que o governo começa a amargar os seus piores dias”, afirmou o advogado.

Diante dos impactos no Brasil da crise internacional, as medidas que foram propostas pela presidenta Dilma Rousseff não foram votadas pela Câmara dos Deputados, cujas atividades foram paralisadas por Cunha.

“O Presidente Eduardo Cunha paralisou a Câmara e teve o apoio dos derrotados de 2014. Paralisou a Câmara e ameaçava permanentemente.” No dia em que o Procurador-Geral da República determina uma busca e apreensão na casa do Presidente da Câmara. Ele, imediatamente, rompe com o governo e fala: ‘Daqui para frente, eu sou oposição.' Abre-se contra ele um processo na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, e ele manda o ultimato: "Ou a Bancada do Partido dos Trabalhadores (aquela que foi execrada há pouco, na outra tribuna) vota para encerrar o processo de Eduardo Cunha ou eu abro o impeachment.’"

Após esse fato, setores da oposição e o Presidente Eduardo Cunha começam a se reunir e ele anuncia que vai esperar um tempo para analisar se aceita ou não o pedido de impeachment. O tempo era para que os denunciantes fizessem um aditamento. Mas os denunciantes retiram o pedido original e apresenta um novo. O novo era idêntico ao anterior, só tinha uma diferença: duas denúncias de 2015, porque o pedido original fazia referências a casos ocorridos em 2014, dos quais a presidenta não poderia ser acusada.

Chantagem de Cunha

Eduardo Cunha, então, diz: "Se não houver votos do PT para arquivarem o meu processo, eu abro o impeachment." No momento em que sai a nota do Partido dos Trabalhadores dizendo que aquele Partido, tratado como indigno aqui, não apoiaria Eduardo Cunha, ele vai a público e diz que está aberto o impeachment da Presidente da República.

E, citando estudos de cientistas políticos renomados, Cardozo diz que hoje não se fazem mais destituições de presidentes com tanques ou com armas. “O que é um golpe? Golpe é uma destituição ilegítima de um presidente da República, pouco importando a forma ou o modus pelo qual ele é feito. Não se podia chamar tanques e armas. Criaram-se pretextos jurídicos, da mesma forma que a ditadura militar condenou Dilma Rousseff quando era jovem."

“Os acusadores de Dilma Rousseff vão à tribuna e parece que colocam o seu partido no banco dos réus, colocam o conjunto da obra e se prendem muito pouco na análise da real acusação que efetivamente contra ela é dirigida. E por que o fazem assim? Porque são pretextos irrelevantes, que são utilizados retoricamente, porque apenas se quer afastar uma mulher que incomoda, que incomodou as elites, que incomodou ao ganhar a eleição, que incomodou ao permitir que a Lava Jato fosse obstada, uma mulher que incomoda, uma mulher.”

“Autoritária” e “dura”?

E, dirigindo-se aos senadores que são ex-ministros de Dilma, ele indagou: “ Algum dos senhores algum dia recebeu alguma proposta, alguma determinação, alguma orientação de Dilma Rousseff para que infringisse a lei, para que desrespeitasse a Constituição ou para que desviasse dinheiro público? Permitam-me responder pelos senhores – não! E sabem por quê? Porque ela não faz isso.”

“Se há uma pessoa que é absolutamente correta e íntegra no sistema político brasileiro corrompido às medulas é Dilma Rousseff. Ela nunca tolerou nem um ato de corrupção, nem um ato de desvio ou a suspeita – me desmintam os Srs. Ministros se eu falo aqui inverdade – nunca, aliás, bastava Dilma Rousseff cheirar algum equívoco e ela ligava e ia, como lembra a Ministra Gleisi Hoffmann, na jugular dos seus Ministros”, lembrando que com isso ganhou a fama de “autoritária” e “dura".

E alertou que “já houve um autor que disse que a pior tortura que um ser humano tem é condenar um inocente, se essa pessoa tem dignidade, porque, ao fazê-lo, aquilo o acompanhará pelo resto das suas vidas e, quando olharem no espelho, saberão que puniram uma inocente por pretextos, por questões absolutamente não fundamentadas.

Pedido de desculpas

Uma das coisas que mais me emocionou ao longo do período em que fui Ministro de Estado da Justiça era dar cumprimento à Lei da Anistia. Pela Lei da Anistia, quando se faz um julgamento dizendo que alguém foi injustiçado pelo Estado brasileiro e é anistiado, o Ministro da Justiça, perante seus familiares, pede desculpa, em nome do povo brasileiro, por aquilo que aquela pessoa sofreu. O que mais me doía é quando eu tinha que pedir desculpas e a pessoa já tinha morrido.

“Peço a Deus que algum dia, se Dilma Rousseff for condenada, um novo Ministro da Justiça tenha dignidade de pedir desculpas a ela. Se ela estiver viva, se faça de corpo presente; se estiver morta, à sua filha e a seus netos. Que se peça desculpas a Dilma Rousseff, se ela vier a ser condenada; que a história faça justiça com ela; que a história absolva Dilma Rousseff, se V. Exªs quiserem condená-la.”

Mas se V. Exª quiserem fazer justiça para evitar que, no futuro, alguém tenha que pedir desculpas, como eu pedi àqueles que sofreram violência do Estado, julguem pela justiça, julguem pelo estado de direito, julguem pela democracia. Não aceitem que o nosso País sofra um golpe parlamentar e uma pessoa honesta, correta, íntegra tenha a pena de morte política para que, no futuro, alguém tenha que dizer: Me desculpe, Dilma Rousseff, pelo que a ditadura lhe fez e pelo que a nossa democracia também lhe fez.”