Érico Firmo: É golpe?

Por *Érico Firmo

Bandeira do Brasil Branca e Preta - Reprodução

Procurei. Não achei um aspecto sequer do julgamento de Dilma Rousseff (PT) que não seja discutível. Quando não absurdo. Começo pelos julgadores. O impeachment começou a caminhar quando a denúncia foi aceita por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje afastado do mandato parlamentar e prestes a ser cassado. A decisão foi tomada por parlamentares entre os quais houve quem, no dia seguinte, teve a residência visitada pela Polícia Federal. No Senado, o relator foi Antonio Anastasia (PMDB-MG), que, quando governador, teve atos bastante semelhantes aos que denunciou que Dilma cometeu.

Dilma teve os juízes que a Constituição determina e que o povo elegeu. Quando o texto constitucional delega ao Senado a prerrogativa de julgar presidente, não só abre precedente de o julgamento ser político. Ele deseja que o julgamento seja político. E ele tem sido, demais. A previsão constitucional, entretanto, não elimina absurdos. Nem dá aval para julgamento que, a pretexto de político, ignore os aspectos jurídicos.

As circunstâncias são igualmente discutíveis. Conforme Dilma acusou e a imprensa noticiou, a denúncia foi aceita em meio à pressão de Cunha para que o PT ajudasse a arquivar o processo de cassação contra ele. Uma mão sujaria a outra. Quando não conseguiu, decidiu se vingar. E o impeachment prosperou por ação decidida do vice-presidente Michel Temer (PMDB). O maior beneficiário articulou para derrubar Dilma. Caracteriza o que nominei em março: conspiração. Muito diferente da discreta postura de Itamar Franco no impeachment de Fernando Collor.

No mérito da denúncia, creio que as justificativas para afastar Dilma não justificam pena dessa gravidade. Dos quatro itens da acusação original, duas foram acatadas por Eduardo Cunha. Uma delas — as pedaladas fiscais — conforme perícia do Senado, não pode ser imputada pessoalmente a Dilma. Impeachment exige ato de ofício do governante. A outra denúncia, por sua vez, se sustenta. Trata de créditos suplementares não autorizados pelo Congresso. Juristas divergem sobre tudo mais. Porém, há margem para enquadrar a medida em crime de responsabilidade. Isso basta para tirar Dilma?

Encontro indício de resposta em decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), do fim de junho, que autorizou Temer (foto) a adotar ato similar. Se é crime, ainda mais tão sério a ponto de justificar destituição de presidente, o TCU iria autorizar que voltasse a ocorrer?

A questão do crédito suplementar é o único motivo jurídico, dentro desse processo, que poderia justificar o afastamento de Dilma. Razões outras não constam na denúncia. Impeachment por “conjunto da obra” não tem base jurídica. Acusa-se Dilma de provocar crise econômica. Fato. Mas não é motivo para impeachment. Governante incompetente se cassa no voto. O senador Tasso Jereissati (PSDB) disse que as pedaladas fiscais são a “ponta do iceberg”. Pois que se fizesse o impeachment pelo iceberg, não pela ponta. Ocorre que a montanha de gelo apontada não está entre os crimes de responsabilidade elencados pela lei.

Penso haver motivos para afastar Dilma que mereciam ser investigados. Por exemplo, há elementos de que sua campanha recebeu dinheiro ilegal, sob investigação na Lava Jato. Porém, o impeachment não trata disso. Por quê? Parte da resposta pode estar no fato de que atingiria também Temer, Eduardo Cunha, Renan Calheiros (PMDB-AL)…

O que é golpe?

Diante disso, o impeachment de Dilma é golpe? Bom, penso que depende do que se considera golpe. Há meses se discute se é golpe ou não. Mas, como se conceitua golpe? Para você, o que é golpe?

Impeachment é julgamento. E julgamentos podem ser equivocados. Injustiças são cometidas, todo dia. Sempre que tal julgamento for equivocado, será golpe? Fernando Collor se disse vítima de golpe. Todos que forem alvo dirão ser. No caso de Dilma, existe a particularidade de que o julgamento pode ser deliberadamente equivocado, por interesses políticos. Isso é golpe?

No mês passado, em entrevista à rádio O POVO/CBN, Dilma usou metáfora. Disse que a democracia seria como uma árvore. O golpe de 1964 seria como cortar essa árvore. E o atual momento seria como se parasitas atacassem a árvore. A presidente afastada expôs a diferença entre uma coisa e outra. Meu incômodo em usar a palavra golpe é por adotar mesmo conceito para coisas de proporções tão distintas, conforme reconhece a presidente afastada. Dilma enfatiza que é um “golpe diferente”. Parece-me que usar o mesmo conceito mais confunde do que explica.

O que o Brasil vive hoje? Uma conspiração, está claro para mim que há. Um absurdo jurídico, provavelmente. Manobra política, tem todas as características. Golpe? Depende do que se chama de golpe. Mas não é preciso dizer que é golpe para afirmar que é injusto.

*Érico Firmo é jornalista e colunista do O Povo.


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