Arruda Bastos: Até tu, Brutus; até tu, Camilo?

"Em todo o Brasil, os confrontos com participantes das manifestações contra o golpe de Temer têm sido desproporcionais e provocados pela própria Polícia. O que está acontecendo é que a PM tem atuado como agente da violência e não como garantidor da tranquilidade".

Por *Arruda Bastos

PM agride manifestantes em Fortaleza

Policiais militares do governo Alckmin (PSDB) em São Paulo utilizam com frequência bombas de gás, balas de borracha, spray de pimenta e distribuem cacetadas e outras “amabilidades” a torto e a direito em face de manifestantes contrários ao governo Temer e que defendem “Diretas Já”. Tudo sem uma justificativa, na maioria das vezes.

Nas manifestações realizadas naquele estado, esta prática já é considerada cartão de visita do aparato policial. Mesmo nos atos sem sinais de violência alguma, a polícia sempre dá o ar da sua graça reprimindo com violência e truculência, até depois de encerrados os atos. Os governos tucanos são assim mesmo, que o digam os professores paranaenses massacrados pela tropa de choque do governo Beto Richa (PSDB) no ano passado.

Nos últimos atos contra Temer, a repressão policial aumentou, com prisões, feridos até com gravidade, como no caso da estudante Deborah Fabri, que perdeu a visão de um olho devido a estilhaços de uma bomba de efeito moral. Os métodos usados pela polícia para lidar com as manifestações são totalmente incompatíveis com o Estado Democrático de Direito, direitos humanos e de manifestação.

Em Fortaleza, no 7 de setembro
, como em todo Brasil, aconteceu uma grande manifestação contra o golpe instalado de forma sórdida no país por Temer e seus asseclas. Acreditando, como diz a música de Luiz Gonzaga, que “no Ceará não tem disso não”, e até mesmo pelo perfil democrático do nosso governador, Camilo Santana, comparecemos com amigos e familiares ao ato convocado por movimentos populares e pela juventude na Avenida Beira Mar.

A caminhada transcorreu de forma pacífica, com suas palavras de ordem sendo gritadas à exaustão pela multidão de mais de trinta mil jovens, trabalhadores, representantes de movimentos sociais e populares, profissionais liberais e muitas famílias. Uma emoção incontida e sentida por muitos de nós, militantes calejados e que ainda guardam na memória os áureos tempos de luta contra a ditadura militar de 1964.

Os manifestantes ostentavam, com galhardia, cartazes, faixas e bandeiras do “Fora Temer” e das “Diretas Já”. Jovens com os rostos pitados de verde e amarelo, carros de som e bandinhas animando a moçada com seus gritos de ordem, paródias e hino nacional. Tudo uma beleza de encher os olhos em razão do entusiasmo cívico de lutar pela derrota do golpe. Para completar, ainda por cima, a emoção crescia pela data histórica do nosso grito no Ipiranga: Independência ou morte!

Para chegar ao ponto principal do meu artigo, pintei todo este quadro com as cores da realidade da nossa linda manifestação, até a entrada em cena de personagens que não estavam no script. Refiro-me à Polícia Militar do nosso estado que, de forma injustificada e assemelhando-se a uma operação de combate terrorista só encontrado nos filmes policiais e nos vídeos dos Jornalistas Livres e Mídia Ninja nas manifestações em São Paulo, empanou o brilho da noite.

Participei como cidadão e militante do Movimento “Médicos pela Democracia” de toda a manifestação, desde o seu nascedouro, na Praia de Iracema, até o seu final, na Avenida Beira Mar. Sou testemunha ocular dos fatos e não estou comendo ou emprenhado pelas mãos dos outros. Digo que não existem justificativas para a ação e tamanho despautério da nossa força policial. Dispersar, combater, prevenir e evitar o quê?

Policiais da Tropa de Choque da PM dispararam bombas, agiram com truculência contra pessoas indefesas que estavam com suas famílias exercendo o seu direito de manifestação. Apesar de vários apelos, até educados, para que cessassem as hostilidades, estas ainda continuaram. Assemelhava-se à intolerância dos atos policiais nas grandes e históricas manifestações no meu período estudantil nos anos 70, com os colegas Manoel Fonseca, Chico Passeata e Helena Serra Azul.

Em todo o Brasil, os confrontos com participantes das manifestações contra o golpe de Temer têm sido desproporcionais e provocados pela própria Polícia. O que está acontecendo é que a PM tem atuado como agente da violência e não como garantidor da tranquilidade. A ordem dos governos “Temistas” é de reprimir e não de garantir a segurança das pessoas que realizam o protesto. Manifestação para eles não é um direito sagrado garantido pela nossa Constituição.

Exigimos do Governador Camilo Santana (PT), como comandante da tropa, uma ação enérgica. Qual é a explicação, quem foi o responsável, enfim, uma apuração rigorosa de todos os fatos ocorridos. É necessária uma correção de rumos para que se evite em futuras manifestações cenas deprimentes como as que presenciei e que mancham a tradição democrática cearense.

"Até tu, Brutus" foi uma frase célebre proferida pelo imperador romano Julio César há mais de 2 mil anos, quando, na hora do seu assassinato, reconheceu o filho, Marcus Brutus, entre os seus algozes. Não desejamos também dizer "até tu, Camilo"!

*Arruda Bastos é médico, professor universitário, ex-Secretário da Saúde do Estado do Ceará e um dos coordenadores do Movimento “Médicos pela Democracia".


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