Rosemberg Cariry: O coração de uma mulher

 “Analiso a sociedade e faço uma triste constatação. Contra as mulheres, que são fonte de vida e beleza, por vezes, tidas como frágeis e indefesas, volta-se não raro a expressão do mais puro ódio. Sob o capitalismo, essa mulher explorada é a operária, a funcionária, a que, depois de exaustiva jornada de trabalho, ainda cuida da casa e da prole. Torna-se a escrava do lar e a educadora dos filhos, vira objeto de cama e mesa, é alvo de violência psicológica e física”.
Por *Rosemberg Cariry

Dilma saida Alvorada - Reprodução

Ao parar o frenético ritmo da vida cotidiana, me veio de súbito uma pergunta. Que pessoas importantes eu tive na minha vida? A memória trouxe-me alguns homens de alma grande, mas, sobretudo, mulheres inteligentes e generosas: mãe, avós, irmãs, filhas, netas, tias, primas, esposa, namoradas, amigas, professoras, colegas… Pessoas que, com suas qualidades afetivas, criativas e solidárias, me fizeram crescer.

Analiso a sociedade e faço uma triste constatação. Contra as mulheres, que são fonte de vida e beleza, por vezes, tidas como frágeis e indefesas, volta-se não raro a expressão do mais puro ódio. Sob o capitalismo, essa mulher explorada é a operária, a funcionária, a que, depois de exaustiva jornada de trabalho, ainda cuida da casa e da prole. Torna-se a escrava do lar e a educadora dos filhos, vira objeto de cama e mesa, é alvo de violência psicológica e física. Vale a pena perguntar, na contramão de Freud: não vem dos homens a inveja do útero da mulher? Não estão os machos cegos pelo ódio contra a vida, pois o poder fálico só tem causado morte e destruição?

A sociedade brasileira é machista e misógina. Tivemos há pouco um exemplo disso. Uma presidente da República, sem prova de qualquer crime, foi condenada, em um ritual inquisitorial e patriarcal, diante das câmeras de TV, que a tudo transforma em espetáculo. Dedos em riste, os machos gozavam o seu poder de elite atrasada. A presidente defendia-se, com dignidade e força interior admiráveis, numa atitude capaz de envergonhar os seus algozes: os latifundiários, reis do agronegócio e do agrotóxico; donos de shopping center e das indústrias, corporações neopentecostais da fé e representantes da bala, madeireiros e mineradores, verdugos de índios e grileiros de terra, neoescravagistas e capitães-do-mato – como se ressurgissem das trevas da colonização.

Sim, mas também entre os algozes estavam algumas mulheres, apontam os patriarcas de plantão. É verdade. Lá estavam algumas poucas mulheres da classe dominante, imbuídas do mesmo sentimento deles, irmanadas com os machos e contra a mulher, pois, além da questão de gênero, estão as classes sociais e seus interesses. Lá estava a advogada histriônica e bizarra (que dizia ser a Voz de Deus), a berrar que condenava a presidente, para salvar os netos dela (da presidente), jogando-a na fogueira simbólica do inusitado golpe.

Longe desse espetáculo triste, imagino o Brasil sendo guiado por verdadeiras mulheres – donas de suas almas, consciências, corpos e vidas. E por homens tocados por elas. Juntos, irão se levantar contra todos os golpes, arbítrios e preconceitos, todas as guerras e injustiças – frutos da ganância cega dos mercados. Afinal, o coração de uma mulher é o sol do mundo, maior do que todas as tiranias, o abrigo seguro de todos os homens.

*Rosemberg Cariry é cineasta e escritor

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