Instabilidade política compromete combate à pobreza, diz chefe do Pnud

Uma América Latina politicamente instável está prestes a jogar quase 30 milhões de pessoas na zona de pobreza. Essa é uma das conclusões apresentadas pelo boliviano George Gray Molina, economista-chefe do Pnud (Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento), na região, no relatório intitulado “Progresso Multidimensional: bem-estar além do ingresso”.

Por Guilherme Henrique

Desigualdade social - Reprodução

A entidade, vinculada à ONU, desenvolve ações em 170 países de combate à pobreza e à desigualdade. Os números apresentados no documento são pessimistas, ainda que a América Latina tenha vivido um crescimento importante nos últimos 12 anos, quando 72 milhões de latino-americanos saíram da faixa de pobreza.

A fragilidade institucional vivida em países como Brasil, Venezuela e Nicarágua pode contribuir para um aumento no número de pessoas que recebem entre quatro e dez dólares por dia e estão inseridas na camada mais baixa da pirâmide social.

“O que nós temos visto é que a política pode ajudar e prejudicar. A política ajuda quando desenvolve pactos sociais, fiscais, em torno da redução da pobreza e da geração de emprego. Mas também pode prejudicar quando há instabilidade e polarização”, afirma George Gray Molina.

De Nova Iorque, o economista falou sobre como proteger as conquistas sociais obtidas nos últimos anos, o êxito de países como Uruguai, Bolívia, Peru e Equador na prática de ações contra a pobreza e o posicionamento da China no futuro da América Latina.

Leia a entrevista completa: 

O relatório apresentado pela Pnud aponta que 25 a 30 milhões de latino-americanos podem voltar para a zona da pobreza. Quais são as questões macroeconômicas que podem influenciar nesse número?

A partir de algumas pesquisas, encontramos características que são específicas de cada país e características que são comuns entre eles. Há quatro indicadores que são comuns na América Latina: acesso a ativos (ser dono de um táxi, uma loja); proteção social e acesso à rendas não contributivas (como algum tipo de pensão); acesso a uma rede de ajuda para cuidar dos filhos e capacitação no mercado de trabalho. Esse quatro fatores são comuns na América Latina e explicam o trânsito na classe média e uma recaída à pobreza.‎

Entre 2003 e 2013, 72 milhões de latino-americanos saíram da pobreza?

Exatamente. É um dos resultados mais rápidos e importantes dos últimos trinta anos. Esse período, entre 2003 e 2013, aponta um crescimento econômico, redução da pobreza e redução da desigualdade. Esse três fatores ao mesmo tempo. Isso foi muito significativo.
O dilema, desde 2014, é que estamos baixando o ritmo de crescimento e o progresso vai se estagnando. Em 2015 e 2016, vemos o contrário: pessoas voltando à pobreza e encontrando novamente um cenário negativo.

Como proteger as conquistas sociais obtidas até agora?

Temos que adotar ações no curto e médio prazo. No curto prazo, os governos precisam conduzir um investimento público para gastos sociais, proteção social, sistemas de cuidado e qualificação profissional. Essas são atitudes que precisam ser tomadas rapidamente.

Em momentos em que as pessoas perdem o emprego, elas precisam de um “colchão” de assistência social. Eu creio que isso já está acontecendo em alguns países. É importante manter gastos sociais e aplicar políticas contracíclicas.

No médio prazo, entendemos que os fatores determinantes para a saída da pobreza são diferentes das características para quem ingressa na zona da pobreza. Aprendemos a reduzir pobreza na América Latina com a melhora do mercado de trabalho, através da educação. Mas tivemos um êxito menor em proporcionar uma cobertura universal de proteção social, de cuidados e maior inserção profissional da mulher. Por exemplo: aumentamos de 40% para 54% a participação da mulher no mercado de trabalho. Os homens ocupam 80%. Temos uma brecha de 26% entre mulheres e homens na América Latina. Essa é uma agenda importante em toda a região, em alguns países mais, outros menos, mas temos a percepção de que isso precisa ser mais equilibrado no futuro.

‎Instabilidades e tensões políticas ocorridas na América Latina, como no Brasil, Venezuela e Nicarágua podem prejudicar programas de combate à pobreza?

Sim. O que nós temos visto é que a política pode ajudar e prejudicar.
A política ajuda quando desenvolve pactos sociais, fiscais, em torno da redução da pobreza e da geração de emprego. Mas também pode prejudicar quando há instabilidade e polarização. Quando isso acontece, a geração de empregos se torna muito difícil, porque os empresários tomam decisões assertivas e eles precisam de certa estabilidade.

Eles são o motor da economia. Além disso, precisamos ter fé na capacidade do Estado de resolver problemas. Quando se perde essa fé e a confiança no Estado, encontramos, novamente, dificuldades em desenvolver políticas sociais e fiscais. Muitos países estão na parte baixa de uma curva, mas é necessário recordar que há poucos anos estávamos na parte alta dessa mesma curva. Espero que esses países possam retomar a confiança e voltar a desenvolver políticas públicas, por que isso é o mais importante.

‎Como ajudar as pessoas que saem da zona da pobreza, mas seguem vulneráveis?

Nós nos concentramos nessa lacuna de pessoas que recebem entre quatro e dez dólares por dia. São 224 milhões de pessoas na América Latina, cerca de 71 milhões de pessoas no Brasil, por exemplo. São pessoas que não possuem acesso à proteção social, que não têm acesso a ativos, à capacitação no trabalho. A capacidade para diminuir a pobreza passa pela capacitação profissional e a possibilidade de construir ações de proteção social.

‎Como a flexibilidade e a vulnerabilidade do mercado de trabalho na América Latina ajudam e atrapalham na redução da pobreza?

O mais importante desse conceito informal é: quem assume os riscos quando as coisas vão mal? Quando as coisas vão bem, tudo acontece, funcionam, e a informalidade ajuda, porque é uma forma dinâmica de trabalho. O trabalhador pode ter dois ou três empregos, porque tem mais flexibilidade. Porém, quando as coisas vão mal, e há uma contração na economia, temos uma queda no emprego. Aí vemos a fragilidade do emprego informal. Esse é um tema muito atual na América Latina.

‎O que explica o fato de Equador, Bolívia, Peru e Uruguai liderarem os números de redução da pobreza na América Latina?

Essa pergunta é muito importante. O interessante ao analisar esse top quatro é que eles apresentam diferentes características de políticas sociais e políticas econômicas. Bolívia e Equador são mais estadistas, com mais proteção social. Já o Peru e o Uruguai são mais liberais, com menos proteções sociais e orientados em grande parte para a exportação. Ainda assim, os quatro países tiveram uma redução de mais de 25% nos números relativos que envolvem diminuição da pobreza. Talvez o que tenham em comum seja uma mescla de alguns fatores: melhores oportunidades de emprego na base da pirâmide; presença de transferências sociais; jovens no mercado do trabalho. São coisas comuns nos quatro países. Você também pode avaliar outros fatores, como a estabilidade macroeconômica que possibilitou acumular as conquistas e, ainda que essas nações passem por uma pequena crise econômica momentânea, conseguiram manter um perfil muito bom de redução da pobreza no médio prazo.

O que é perceptível em economias de países que foram beneficiadas pelo crescimento na exportação de commodities?

Entendo que são as transferências sociais, além de inversões públicas e sociais. Também devemos notar um aumento significativo no consumo nessas economias. O consumo gera um mercado adicional ao setor de serviços; gera empregos de baixa qualificação ao setor, ocasionando uma diminuição em curto prazo da pobreza. Mas, quando há uma diminuição da atividade econômica, as pessoas que estão inseridas nesse contexto perdem esses empregos, e acabam gerando a vulnerabilidade social. Eu creio que vivemos as duas caras de uma moeda na América Latina.

‎‎A diminuição na atividade econômica da China influencia também essa queda na redução da pobreza na América Latina?

Sim. O caso da China é um efeito que ocorre na demanda por recursos naturais primários e minerais. Hoje em dia vemos a China crescendo menos de 7% e isso, ainda que seja muito para nós, é pouco para eles. Isso significa uma queda em todos os nossos produtos de exportação.

Para o futuro, podemos ver que a China está passando de uma economia exportadora, para uma economia com demanda interna, de consumo. Essa transição significa uma mudança em seu perfil. Eles vão precisar menos de nós, e nós também temos que nos adaptar a esse novo perfil.