Pauleira

 É, amigos, não está sendo fácil.  Quem comemorou o fim de 2016 achando que começaria um 2017 cheio de conquistas e realizações, já deve ter percebido que deu ruim.  O ano novo começou esmagador, acachapante. Ou alguém aí tem uma boa notícia para me dar? Porque, sinceramente, até agora só recebi as ruins.

Celia Ferreira*

 Aqui no nosso quintal já tivemos enchente, saques, assaltos e assassinatos. Se conseguimos superar a cheia do Itapemirim, o mesmo não se pode dizer da imensa sensação de insegurança que nos trouxe a greve da Polícia Militar. Os bandidos ocuparam as ruas, demonstrando seu poder de fogo e trazendo uma certeza tão definitiva quanto a morte: eles são muitos, estão fortemente armados e não têm pena de nós. Portanto, ao andar pelas ruas, olhe para os lados, pise bem levinho e respire devagar – talvez assim consiga escapar com vida.

Pelo resto do país as coisas também não andam muito bem. Pelo menos, dessa vez, não fomos pegos de surpresa: há um ano, quando um outro tipo de bandido tomou o poder de assalto, nos avisaram que  o país iria mudar. E mudou mesmo. Perdemos direitos trabalhistas (até os salários, essa besteira, querem tirar dos trabalhadores rurais);  nossa aposentadoria está prestes a ser assaltada; o ensino médio ficou menos humanista; a homofobia saiu da lista de preconceitos que a escola deve combater; universidades  públicas estranguladas começam a cortar programas; o SUS atende cada vez menos e, por consequência, mata cada vez mais; acabou o Ciência sem Fronteiras; acabou a Farmácia Popular etc. etc. etc. Os verbos da moda são acabar e reduzir. A única coisa que aumenta é o desemprego.

Ainda assim, há aqueles que acreditam que não devemos reclamar, não devemos protestar, não devemos fazer greve. Devemos apenas  trabalhar mais e pagar mais tributos, para que eles tenham mais o que nos tirar.  Devemos nos calar diante das velhas atrocidades que voltam às páginas dos jornais: a Funai sendo desmontada para que latifundiários possam matar e mutilar sem dó o que resta da população indígena; a policia literalmente descendo o cacete em estudantes, invadindo favelas, atirando na boca de crianças, jogando gás na cara dos trabalhadores que ousam se manifestar contrários ao que a quadrilha está aprontando lá no planalto. Pauleira em grau máximo.

Ainda se pudéssemos nos refugiar entre os amigos, mas nem neles podemos mais confiar. Estão ali, ao nosso lado, dividindo alegrias e angústias, lutando as mesmas lutas, ouvindo as mesmas músicas, nos divertindo com histórias antigas e piadas novas; estão ali, fazendo planos coletivos, nos chamando ao desafio, questionando, incentivando, se importando – e, de repente, resolvem partir assim, sem avisar, sem pedir licença. Ignoram o imenso vazio que vão deixar em nosso coração já tão combalido, nem querem saber se sua falta tornará mais longos os nossos dias, mais dura a nossa jornada.  Difícil aceitar quando um amigo apronta com a gente assim…

Mas a vida segue. Há hora de plantar, hora de colher, hora de ganhar e hora de perder.  Este ano estou na fila das perdas, e infelizmente não estou sozinha. Somos milhões,  na minha aldeia, no país, no mundo.  O que me consola é que ainda não perdi a esperança. O futuro nos aguarda.