Carlos Campelo Júnior: Você sabe quem leva o lixo que você joga fora?

“O Brasil, no seu melhor ou no seu pior momento, insiste na existência de uma atividade, um sub-emprego: a de catador de lixo reciclável. Aquela parcela de seres humanos, muitas vezes famílias inteiras que tem como fonte de renda e de sobrevivência a coleta seletiva do lixo de todos nós”.

Por *Carlos Campelo Júnior

Catadores de lixo

As pessoas em geral normalmente têm a sensação de que o lixo, sim o lixo que produzimos nas nossas casas, condomínios, nos comércios de bens e serviços e na indústria, por exemplo, desaparecem depois de ser jogado fora, coletado pelo poder público.

Na virada do século, assistimos o melhor momento econômico brasileiro que possibilitou um olhar maior para o social e uma ascensão de milhões de trabalhadores e trabalhadoras saírem da linha da pobreza, da fome. Apesar disso, não podemos deixar de reconhecer que algumas medidas são paliativas, mas profundamente necessárias como no caso do Nordeste brasileiro e os ciclos de seca que atravessamos, como primeiro passo na tentativa de diminuir as nossas desigualdades, acumuladas ao longo de séculos de privilégios opressivos e escravidão, tais como o acesso à escola pública e ao sonho um dia impossível de chegar à universidade.

Os volumes de recursos e investimentos para a educação, na construção de escolas, de Universidades Federais, Estaduais e Institutos Tecnológicos, estão aí para serem analisados ano a ano para quem quiser dar uma olhada para constatar. Saímos do mapa da Fome. Nosso povo do sertão passou a não enterrar os seus “anjinhos”. Essa tragédia brasileira passou a ser uma imagem rara. O sonho da transposição do rio São Francisco é hoje uma realidade. O passo seguinte deveria ser o processo de superação dessas medidas paliativas, processo esse interrompido com a chegada do desgoverno do Temer.

O Brasil, no seu melhor ou no seu pior momento, insiste na existência de uma atividade, um sub-emprego: a de catador de lixo reciclável. Aquela parcela de seres humanos, muitas vezes famílias inteiras que tem como fonte de renda e de sobrevivência a coleta seletiva do lixo de todos nós.

Uma atividade que deveria ter e não tem o seu trabalho bem reconhecido por uma questão de humanidade. O maior direito, o maior valor universal é o direito a vida humana e em decorrência a vida do outro. O segundo e o terceiro reconhecimento que aponto são atributos morais: não uma vida de qualquer jeito, e se eles não levassem o lixo para a reciclagem, provavelmente ele iria parar em um aterro ou lixão, poluindo mais ainda o meio ambiente, apesar de todo o esforço da Prefeitura Municipal de Fortaleza na divulgação dos ECOPONTOS.

Andarilhos, excluídos da sociedade e sem direitos. Trabalhadores noturnos, ou melhor, escravos modernos, que limpam a sujeira de uma sociedade ainda tão injusta, cética e insensível.

Quem nunca esbarrou neles, principalmente à noite, puxando as suas carroças, como se fossem animais de cargas, abarrotadas de sacos cheios de lixos recicláveis ou descansando em cima desses sacos, como se na fotografia tirada, eles fizessem parte do lixo, lixo humano, excrescência, uma coisa inútil, descartável, reaproveitável, assim como o lixo orgânico e inorgânico que produzimos.

O parlamento brasileiro está ficando cheio de defensores dos direitos dos animais. Hospitais veterinários e creches é o que está mais na pauta política hoje em dia. Vamos proteger sim as nossas mulas, burros e jumentos de carga. Adotemos cães e gatinhos abandonados. Outros defendem que se acabe com as vaquejadas, com as brigas de galo, com a matança de golfinhos, com a caça de avoantes e de animais silvestres por conta da extinção e os maus tratos aos animais. Sem dúvida devemos conviver melhor com a nossa natureza e com os demais habitantes do planeta terra. E o olhar para esses trabalhadores que, para sobreviverem, limpam a sujeira de todos nós. O que justifica virar o olhar para o outro lado? Sermos indiferentes e não enxergá-los?

*Carlos Campelo Júnior é professor e ex-secretário executivo da Secretaria de Esporte e Lazer de Fortaleza (Secel).

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