O menu de opções dos Estados Unidos para tentar acabar com o chavismo

As ameaças de Donald Trump, as tais “sanções” do governo estadunidense, os bloqueios bancários e financeiros, as tentativas de isolamento diplomático, deixam claro a incapacidade da direita venezuelana de virar o jogo, e sua total dependência das instruções de Washington.

Por Aram Aharonian*

Manifestação na Venezuela - Efe

Enquanto participa em mesas de diálogo com o governo, a Mesa de Unidade Democrática (MUD, aliança opositora ao chavismo) lançou um comunicado superficial, tentando responsabilizar o presidente Nicolás Maduro pela ameaça de intervenção militar de Donald Trump, embora seus principais dirigentes tenham feito súplicas a governantes e funcionários norte-americanos para que invadissem o país, após os sucessivos fracassos, primeiro das estratégias legais, depois dos ataques violentos e terroristas.

Para não ir mais longe – e tornar o relato longo demais –, a lista de importantes dirigentes do antichavismo fotografados ao lado de figuras destacadas da política estadunidense conta com o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, o deputado Luis Florido e a desacreditada esposa de Leopoldo López, Lilian Tintori, todos deixando provas gráficas de suas intenções. Talvez pensassem que o governo venezuelano ficaria amedrontado vendo-os abraçados com a dirigência da primeira potência mundial.

A mesmo estratégia tentou, anos atrás, a deputada María Corina Machado, que teve a valentia – reconheçamos – de se reunir com George W. Bush, e ainda difundir a foto ao mundo.

Conscientes de que uma imagem vale mais que mil palavras – e que uma junto com a outra pode gerar um efeito indesejado –, tampouco tiveram cautela na hora de aparecer ao lado de Luis Almagro, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) onde cumpre a função de gerente regional dos interesses dos Estados Unidos, antes de exigir dele a aplicação da Carta Democrática do organismo. Também costumam marcar presença em Washington e Miami, para onde viajam regularmente, fazendo o lobby pelo bloqueio econômico do país (do seu país) por parte dos grandes bancos internacionais.

Julio Borges apareceu sorridente ao lado de H.R. McMaster, assessor de segurança nacional de Trump, quem sabe exigindo o que os estadunidenses mais sabem fazer, intervir e massacrar populações inocentes e indefesas em nome da liberdade e da democracia. Como fez na segunda fase da ocupação do Iraque, dando argumento ao surgimento do Estado Islâmico. E MacMaster estava com Trump na reunião onde se disse que a ação militar é uma opção, uma ameaça formal de invadir a Venezuela.

Já não se trata de pedir financiamento para os grupos de jovens ativistas de redes sociais, ou armamento e logísticas para os grupos que promovem as barricadas e os ataques a bombas nas grandes cidades – enquanto Lilian Tintori e Luis Florido posam com os congressistas Marco Rubio e Bob Menéndez, operadores de toda e qualquer medida contra o governo constitucional venezuelano e financiadores da onda terrorista.

O terrorismo islâmico

A manobra propagandística busca fortalecer o relato de que Venezuela é um país promotor do “terrorismo islâmico”, por mais que Irã e Hezbollah, junto com a Rússia e a Síria, sejam os principais responsáveis pelas recentes derrotas do grupo no Oriente Médio, nos últimos anos.

A tentativa de consolidar o relato demonizador se baseia também em outros argumentos contra o país, como a tendenciosa e inconsistente reportagem da CNN sobre a conexão entre Tareck El Aissami, vice-presidente da Venezuela, e a entrega de passaportes venezuelanos a “terroristas” do Hezbollah no Líbano. O senador Marco Rubio tomou esta peça de propaganda e a apresentou no Senado para justificar sanções contra funcionários venezuelanos.

Dentro da mesma estratégia, o diretor da CIA, Mike Pompeo, assegurou que a Venezuela se encontra influenciada pelo Hezbollah e pelo Irã, dois dos atores geopolíticos que Washington aponta como parte do chamado “Eixo do Mal”, e que, por isso “podem se tornar um risco para os Estados Unidos”.

Vale recordar aqui as sanções que o Departamento do Tesouro impôs ao vice venezuelano em fevereiro deste ano, acusando-o de ser um chefe narcotraficante – claro que sem mostrar provas nem evidências. Também tentaram associar a figura do filho de Nicolás Maduro com o cartel mexicano Los Zetas e do representante constituinte Diosdado Cabello com um suposto plano para assassinar o senador Marco Rubio.

Estes exemplos expressam não só o tratamento simbólico e narrativo contra Venezuela como um Estado terrorista, narcotraficante e foragido, como também as ações de força nos âmbitos financeiro e militar anunciadas que estariam legitimadas, quase que por consequência lógica.

Esta é a “narração clara” recomendada pelo Conselho do Atlântico ao governo estadunidense, que permitiria justificar as agressões contra o país, e cumprir o exigido pelo decreto de Obama em 2015, no qual os Estados Unidos vê na Venezuela uma “ameaça inusual e extraordinária” aos seus interesses, o que serve como base jurídica e institucional de todo o seu atuar intervencionista e com o qual estabelece um estado de emergência permanente com relação à Venezuela.

Casualidades casuais?

Difícil acreditar que foi coincidência o fato de que 13 chanceleres de países com posições claramente anti-venezuelanas se reuniram em Lima para declarar que “a Venezuela não cumpre com os requisitos nem com as obrigações dos membros do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas”, na mesma hora em que um pré-informe do Alto Comissionado da ONU – também sempre contra a Venezuela – era difundido rapidamente pelos diários latino-americanos.

A campanha de terror midiático se acentuou, para exigir a suspensão da eleição dos representantes constituintes, enquanto as pressões e a chantagem estadunidense sumava novos “apoios”, como fizeram para expulsar a Líbia do Conselho.

Nesse mesmo dia, se reuniram em Caracas os países da ALBA (Alternativa Bolivariana para os Povos da América Latina), para denunciar as “ameaças imperiais”. Após esta reunião, Trump anunciou a opção militar, que faria parte da nova campanha de terror midiático, que busca fazer com que mais países latino-americanos desfaçam relações diplomáticas com a Venezuela, como já fizeram México e Colômbia, entre outros, além de aumentar a pressão pelo bloqueio bancário e financeiro, parte da guerra econômica.

O vice que pressiona

O vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, após se reunir com o mandatário colombiano Juan Manuel Santos, anunciou que os Estados Unidos usará todo o poder econômico, político e diplomático, mas descartou uma intervenção militar. Calculou que até o presidente Santos se opunha a uma saída militar, ao menos com tropas estadunidenses, embora talvez não descarte agressões a partir das fronteiras, com identidades sul-americanas, ao menos até que possam organizar um braço armado em parte do território venezuelano.

A reação generalizada na região não era esperada em Washington. Por isso, o vice-presidente vai apostar na linha de maiores sanções econômicas contra a Venezuela, incluindo as direcionadas à indústria petroleira.

Pence disse que seu país (ou seu governo?) não descarta usar todos os recursos assimétricos possíveis, até que o chavismo saia do poder. O mesmo foi dito pelo chefe da CIA, Mike Pompeo, sobre o uso da Colômbia como principal ponto de avançada, junto com o México, numa política coordenada contra a Venezuela, que vai desde o âmbito militar até o econômico e diplomático. Diante disso, Santos fez cara de circunstâncias, como sempre.

“Os Estados Unidos está com você”, disse Pence ao argentino Mauricio Macri, em sua chegada a Buenos Aires, antes de lembrar que o governo de Donald Trump se sente “muito satisfeito” com as mudanças que a Argentina tem impulsado na economia. Por sua vez, Macri afirmou que compartilha com os estadunidenses a “preocupação” pela situação na Venezuela.

Macri afirmou que ambos os países se preocupam “pelo sofrimento dos venezuelanos”, reiterando a exigência a Nicolás Maduro de um “cronograma eleitoral, respeito à independência dos poderes e a liberação dos presos políticos”. Pence, por sua parte, disse que a Venezuela “está pouco a pouco se transformando numa ditadura”, e que o presidente Trump “quer trabalhar com seus aliados na região numa solução pacífica para a crise que (o país) enfrenta”. “O que estamos vendo na Venezuela é a tragédia da tirania”, sustentou, sem se envergonhar.

A guerra terceirizada

Parece que a época das intervenções diretas saiu de moda. Por isso, a verdadeira “opção militar” de Trump, parece ser a guerra terceirizada (proxy war), uma vez que se consiga um novo golpe de efeito contra a economia da Venezuela, que justifique a radicalização destas ações.

Para os analistas do Conselho do Atlântico, a Colômbia seria o ponto central dessa guerra terceirizada, a base logística para operações armadas de desgaste, sabotagem e guerra suja, encabeçadas por grupos mercenários, mais profissionais que os paramilitares. Esse Conselho, financiado por mais de 25 países aliados dos Estados Unidos, pretende estabelecer uma narrativa convincente que culpe Maduro pelas ações econômicas e políticas contra a Venezuela por parte do governo estadunidense.

Este think tank tem como diretoras honorárias a Madeleine Albright e Condolezza Rice, que foram chanceleres de Bill Clinton e George W. Bush respectivamente, e foram responsáveis diretas das invasões em Kosovo (1999) e no Iraque (2003). A estratégia foi difundida pelo jornal The Washington Post: “na Venezuela, a economia poderia fazer o que a oposição não foi capaz”.

O silêncio cúmplice de alguns setores forma parte dessa narrativa convincente, junto com as manobras que os norte-americanos já vêm anunciando contra Venezuela, para que o plano de intervenção possa finalmente alcançar seu objetivo definitivo.

Por outro lado, neste 14 de agosto, nas primeiras horas da manhã, o ministro venezuelano de Defesa, Vladimir Padrino López, leu um comunicado no qual condena uma possível intervenção militar dos Estados Unidos na Venezuela. Devido ao esgotamento do das vias e dos métodos indiretos de desestabilização e golpe suave, segundo ele, Washington decidiu “tirar a máscara e partir para a via direta, a agressão militar contra a Venezuela”.

Novas opções desestabilizadoras

Não há só uma estratégia para se buscar o fim do chavismo. Hoje, os Estados Unidos têm várias sobre a mesa. Após a derrota sofrida pela oposição no dia 30 de julho, que jogou por terra a acumulação de força insurrecional que a direita vinha promovendo nos três meses anteriores. Internamente, a MUD perdeu a iniciativa, a narrativa, desapareceu das ruas.

De um dia para outro, os “épicos” dirigentes da direita passaram a ser covardes e traidores para os setores mais radicais, e os grupos de choque (muito bem armados graças ao financiamento estrangeiro) saíram de cena subitamente. Enquanto os grupos mais moderados – supostamente majoritários dentro da oposição – caíram em descrédito com os meios de comunicação internacionais, por serem considerados brandos demais.

Para não se confundir: isso não tem nada a ver com o resultado das eleições regionais de outubro, onde a direita – que se apressou em inscrever seus candidatos, apesar de desconhecer o governo – pode conservar vários governadores e somar outros novos… ou fracassar nessa tentativa.

Diante desse novo cenário, os antichavistas (de dentro e de fora da Venezuela) decidiram embaralhar e repartir novas cartas desestabilizadoras, as econômicas e financeiras, as diplomáticas, enquanto o braço armado vai se organizando, tendo as ações paramilitares contra agentes de segurança e contra o comércio, o transporte de alimentos e de combustível como medidas para ganhar tempo.

Pelas redes sociais circulam vídeos de supostos grupos armados de mascarados com armas de longo alcance – ao velho estilo paramilitar de direita colombiano. Trata-se de criar mitos da chamada resistência, como o piloto que bombardeou o Tribunal Supremo de Justiça usando um helicóptero roubado, ou o do ex-capitão (hoje preso) que diz ter comandado o assalto ao forte Paramacay, há duas semanas.

Fracassados em suas tentativas de impedir, primeiro, a eleição da Assembleia Constituinte, e depois a sua instalação, desesperados como parecem estar, se mostram decididos em empregar a ação militar, teleguiados por Washington. O governo venezuelano precisa ficar atento para qualquer possibilidade de agressão. “Não há tempo para brincadeiras. A soberania e a independência da nação estão em risco”, analisa Eleazar Díaz Rangel, diretor do diário governista Últimas Noticias.