Ítalo Coriolano: Tempos tenebrosos

"Se Villas Bôas acha que está entrando em uma guerra, o trabalho começa equivocado e tende ao desastre. A complexidade da violência no Rio, e em todo o País, não será resolvida com tanques, balas e mais mortes, mas com inteligência e planejamento que estabeleça inversão na relação entre governo e as regiões mais pobres. O domínio do tráfico é reflexo da omissão tanto pública como de uma elite econômica que não enxerga responsabilidade nessa tragédia”.

Por *Ítalo Coriolano

Fuzileiros Navais favela do Rio intervenção - Fernando Frazão/Agência Brasil

A fala do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, defendendo a necessidade de os militares terem “garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade”, em referência à intervenção no Rio de Janeiro, precisa servir de alerta à sociedade brasileira. São evidentes os riscos de excessos na operação que tenta conter a violência no Estado comandado pelo MDB do presidente Michel Temer. Essa comissão, não esqueçamos, foi criada para investigar crimes cometidos durante a última ditadura no Brasil, marcado por assassinatos, torturas e desaparecimentos.

Para além do respeito à integridade física e moral da população, a própria democracia é colocada em xeque quando autoridade desse porte faz declaração como essa, interpretada como pedido de carta branca para agir como quiser. Villas Bôas parece não ter noção do papel que as Forças Armadas precisarão desempenhar. Os militares não irão subir os morros para atuar como policiais. A missão é dar retaguarda às ações desempenhadas por quem, apesar da desestruturação, tem preparo para lidar com esse tipo de situação: a própria Polícia.

Se Villas Bôas acha que está entrando em uma guerra, o trabalho começa equivocado e tende ao desastre. A complexidade da violência no Rio, e em todo o País, não será resolvida com tanques, balas e mais mortes, mas com inteligência e planejamento que estabeleça inversão na relação entre governo e as regiões mais pobres. O domínio do tráfico é reflexo da omissão tanto pública como de uma elite econômica que não enxerga responsabilidade nessa tragédia.

Ministério Público, entidades de direitos humanos e OAB devem acompanhar cada passo dessa questionável intervenção que Temer tirou da cartola para criar uma cortina de fumaça sobre sua incompetência em aprovar a reforma da Previdência e, ainda, inflar um projeto de reeleição. Interesses políticos jamais poderiam estar misturados com decisões do tipo. Temos instituições fragilizadas, descrédito da população, uma crise que insiste em resistir. É perigoso dar tanto poder a figuras com mentalidades como a do comandante do Exército. Em 1964, a ameaça comunista foi desculpa para as maiores atrocidades. Imaginem se, de repente, resolvem tomar hoje atitudes mais radicais diante da força das facções e da inércia do campo civil em combatê-las? Toda atenção é pouca.


*Ítalo Coriolano é jornalista.

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