A fortaleza venezuelana não só resiste, mas contra-ataca

Enquanto se anuncia o fim da história do populismo latino-americano, os governos populares sustentam a consciência de que se há algo que não tem fim é a disputa histórica.

Por Guillermo Oglietti

Petro Criptomoeda Nicolás Maduro - Efe

Sem tirar o polegar do botão de lançamento, os organismos financeiros, gurus e meios conservadores anunciam que cairá uma chuva de mísseis sobre a economia venezuelana. Aplicam o velho truque de colocar a culpa na vítima, de justificar o bloqueio financeiro com um “merecia porque estava de mini-saia”. Não assumir a culpa é um reflexo de personalidades infantis que evitam a responsabilidade, mas a jogam sobre a vítima, é algo sinistro, de fato, mas é uma das características mais marcantes do fascismo, de acordo com Theodoro Adorno.

Nas mãos de um governo financeiro global com estas características, o povo e o governo venezuelano demonstram resiliência. São conscientes de que a escassez, a inflação e a angústia econômica são a consequência buscada com o assédio econômico e o bloqueio financeiro a que estão sendo sujeitados. Os Estados Unidos querem controlar o acesso dos recursos venezuelanos. Esta é a disputa que explica porque em pouco mais de dois anos a Venezuela tenha pago mais de 70 bilhões de dólares ao resto mundo, enquanto países amistosos com o poder hegemônico, como a Argentina de Maurício Macri, têm conseguido no mesmo período mais de 140 bilhões de dólares de financiamento fresco.

Entretanto, assim como o cerco de Aníbal nunca triunfou em Roma, os assédios têm saído caros para todas as partes e geram reações defensivas de consequências imprevisíveis. O bloqueio econômico que os EUA aplicou à Argentina entre 1942 e 1949 gerou grandes dificuldades conjunturais ao país, mas deve se reconhecer que foi um dos fatores que motivou a aplicação de uma intensiva política de substituição das importações e permitiu, em poucos anos, transformar o país agroexportador em semi-industrializado.

Da mesma forma, este cerco sobre a Venezuela está gerando reações defensivas de consequências imprevisíveis para a hegemonia do dólar.

A primeira é a Petro, que, no fim das contas, virou um jogador de classe mundial no planeta das bitcoins. As intenções de compra durante a pré-venda superaram as expectativas com folga, com mais de 5 milhões de dólares e contando já com uma segunda fase de oferta pública. O Petro permitirá à Venezuela emitir uma moeda forte, contar com financiamento fresco e sortear o bloqueio financeiro para realizar pagamentos internacionais e compras de medicamentos e medicinas, entre outros bens. Espera-se, desta forma, aliviar as piores consequências do desabastecimento sobre o bem-estar da população.

As bitcoins representam um sério desafio à hegemonia financeira dos EUA, o que permite antecipar que serão muitos os países que imitarão a iniciativa venezuelana lançando seus próprios criptoativos para diminuir o risco geopolítico de bloqueio e serão ainda maiores os esforços dos EUA para evita-los.

A segunda reação são as medidas de política monetária anunciadas no último dia 22 de março. Trata-se da decisão do governo de cortar três zeros do Bolívar [a moeda nacional] e criar um novo cone monetário, o Bolívar Soberano, junto às medidas de oferta vinculadas à aceitação do Petro em zonas especiais, zonas turísticas e na atividade turística. Junto ao Petro, estas medidas estão formando uma reforma integral, heterodoxa, da política econômica. O Petro vai capturar uma parte importante da demanda de dólares de modo que vai fortalecer o Bolívar.

O aumento da oferta de bens graças ao aporte de investimentos gerados pela emissão do Petro também é parte da política de oferta destinada à diminuir a escassez, estabilizar os preços e aliviar a situação econômica das maiorias. O papel do Petro, como meio de pagamento para saldar dívidas externas tem o mesmo efeito de oferta. A habilitação do uso do Petro em atividades turísticas também aponta neste mesmo sentido de incrementar a oferta de investimentos.

O dólar paralelo está perdendo notoriedade frente ao Petro na Venezuela e com o comércio internacional cada vez serão feitas mais negociações em Petros, e as exchangers vão permitir o intercâmbio lícito entre Petros e Bolívares, pouco a pouco, o paralelo irá perder importância na economia venezuelana.

Estas são algumas partes de uma reforma monetária integral que seguramente terá ainda mais ingredientes. Vendo pelo ângulo de ferramentas da política de preços, desde dezembro está disponível o quadro institucional necessário para aplicar a política de preços acordados, que está à espera de tempos mais propícios para ser implementada. No plano de política fiscal também estão disponíveis as ferramentas para aumentar a pressão fiscal sobre os grandes patrimônios e a faturação eletrônica. Não nos surpreendemos se nos próximos dias forem anunciadas novas medidas econômicas que completem o quebra-cabeças da política monetária. O que é evidente é que, em tempos de assédio financeiro internacional, a fortaleza venezuelana não só resiste, como também contra-ataca.