Dólar a R$4,20 é chantagem do mercado que quer pautar a eleição

No dia em que o Vox Populi mostrou Fernando Haddad (PT) à frente de Jair Bolsonaro (PSL) na disputa ao Planalto, o dólar subiu, nesta quinta (13), 1,2% e fechou a R$ 4,196, maior valor desde criação do Plano Real. Para o economista Paulo Kliass, trata-se de um movimento especulativo e de chantagem do mercado financeiro, que busca – além de ganhar dinheiro aproveitando o pânico gerado –, influenciar o clima pré-eleitoral e garantir que seus interesses sejam preservados.

Por Joana Rozowykwiat

“A ideia é sempre criar um clima de catastrofismo, de chantagem e ameaça, contra uma candidatura que o mercado considere prejudicial aos seus interesses”, afirma, em entrevista ao Portal Vermelho. Para o financismo, o postulante confiável é aquele que se comprometa com a política de austeridade fiscal, que priorize cortar gastos sociais para preservar o lucro dos rentistas credores da dívida pública.

Segundo Kliass, há uma pressão enorme das grandes instituições que operam no sistema financeiro atuando no mercado de divisas no Brasil. “Normalmente, os grandes meios de comunicação reproduzem que o mercado reagiu assim ou assado. Isso é uma grande bobagem. São muito poucas as forças que pesam nesse tal mercado, e elas jogam muito pesado em seu próprio favor”, afirma.

Reeditando 2002

A estratégia de fazer desabar o valor do real frente ao dólar não é nova. Foi utilizada, por exemplo, às vésperas das eleições de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2002. Passado o pleito, o câmbio voltou ao normal.

O movimento era não apenas uma tentativa de dificultar a vitória de um candidato menos afeito à pauta do sistema financeiro, mas também uma forma de pressionar para que, quando eleito, o governo petista pudesse ceder às demandas do mercado.

“Em 2002, houve uma especulação danada, o dólar passou dos R$4,00. Dizia-se que o país ia quebrar. Mas, no dia seguinte, quando a eleição acabou, o Lula foi compondo o governo, já tinha soltado a carta aos brasileiros [um aceno ao mercado], nomeou Antônio Palocci, Henrique Meirelles. Tudo se estabilizou e todo o clima de catastrofismo que estava sendo criado se desfez e a coisa voltou a funcionar”, lembra Kliass.

O gráfico abaixo mostra a taxa de câmbio entre 2002 e hoje. Nele, é possível perceber os movimentos de alta, em geral mais atrelados a questões políticas. “A séria crise econômica de 2008 e 2009, que poderia mexer com os fundamentos da economia, mexe pouco com o dólar. As grandes subidas são em 2002, 2014 e agora. É política e especulação na veia. Há quase nada de fundamento da economia real”, destaca o economista ouvido pelo Vermelho.

Mantendo o controle sobre a política econômica 

A disparada do dólar nesta quinta foi na direção contrária da tendência global. Enquanto no Brasil a divisa norte-americana subia, nos demais países emergentes houve queda. O gatilho para tamanha discrepância brasileira, além do fato de as pesquisas indicarem avanço de Haddad – que contraria em seu programa a agenda de reformas que interessa ao mercado –, foi a nova cirurgia realizada por Bolsonaro. Há, entre os investidores, o temor de que ele não se recupere a tempo de fazer campanha no segundo turno.

“O dólar está explodindo como uma ameaça, uma chantagem, não tem a ver com os fundamentos reais, da base da economia. Dizem que ‘as expectativas estão negativas’. Mas que expectativas são essas? Se fôssemos falar em expectativa negativa, o dólar já devia estar explodindo há muito tempo, desde a época do impeachment, depois com os anúncios de desemprego, recessão etc. Mas o dólar só resolve ter essa escalada às vésperas do processos eleitoral, especulando com cada notícia”, destaca Kliass.

Na sua avaliação, a instabilidade da moeda deve se manter, até que o processo eleitoral esteja mais definido. “O que ocorre é que os grandes agentes se cercam muito de proteções, para evitar perdas. Fazem operações de dólar futuro, ganham na subida, na descida, e o que vale mais é a aposta política para tentar derrubar governos, ministros, desmoralizar propostas”.

Para ele, há uma tentativa de criar um consenso em torno da controvfersa ideia de que a boa política econômica significa a continuidade do que ele chama de “austericídio”. O mercado, na verdade, pressiona para que o comando da política econômica seja delegado a alguém de sua inteira confiança, algo que ocorreu nas gestões do PSDB – com figuras como Pedro Malan, Pérsio Arida, André Lara Rezende e Paulo Guedes – e também do PT e do MDB, com Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn.

“Meirelles, por exemplo, é um cara que tinha construído a vida profissional toda com base no mercado financeiro internacional, era presidente do Bank of Boston, antes de voltar ao Brasil. Ilan era diretor do Itaú. Na época do Fernando Henrique também era gente do mercado financeiro no comando da economia”, cita.

Ameaça e especulação

Quando as chances de Haddad na corrida presidencial começaram a aumentar, veio novamente a pressão. “É o mercado dizendo que prefere figuras como Geraldo Alckmin, o próprio Meirelles e até mesmo como Bolsonaro. É um processo de chantagem nesse sentido. Porque, por mais que Haddad tenha bom trânsito com algumas áreas do sistema financeiro, ele não é o cara de confiança, basta olhar o programa que ele carrega nas costas, que tem muito ‘pecado’ de heterodoxia, de desenvolvimentismo”, coloca o economista.

Kliass avalia ainda que os agentes financeiros se movimentam ainda no sentido de garantir que serão ouvidos, em caso de uma eventual vitória do candidato apoiado por Lula.

“É uma sinalização que diz: ‘cuidado, não aceitamos essa aventura de volta do PT’. Mas, depois, quando a coisa se consolidar, vão negociar. A chantagem agora é importante inclusive para garantir que interesses do financismo estejam assegurados numa mesa de negociação com Haddad, se eleito, ou mesmo para ele firmar compromissos ao longo do processo eleitoral, como já está sendo mencionado em muita notícia plantada aqui e ali”, alerta.

Para ele, essa subida momentânea do dólar é, também, uma forma de alguns poucos ganharem dinheiro. “O mercado faz uma aposta especulativa. Muita gente entra de gaiato, morrendo de medo, e, lá na frente, quem acaba ganhando são sempre os grandes, que ganham dinheiro na subida e na descida do câmbio”.