Juliana Diniz: Os juízes da oportunidade

“A anarquia judicial tem um custo altíssimo. Numa batalha pela manipulação do acesso à informação, juízes tentam controlar, via processo, a amplitude daquilo que o eleitor deve conhecer para escolher seu candidato”.

Por Juliana Diniz*

Supremo Tribunal Federal STF justica - Foto: Agência Brasil

O noticiário político das duas últimas semanas antes do pleito não deu descanso ao eleitor. Num intervalo de apenas quatro dias, foi preciso digerir uma sucessão de fatos tão atípicos quanto estarrecedores.

Peço ao leitor que tome fôlego.

Primeiro, o afastamento do juiz federal Eduardo Cubas pelo CNJ por suspeita de tentativa de interferência no processo eleitoral (o magistrado teria informado ao Comando do Exército que ordenaria o recolhimento das urnas eletrônicas na madrugada do dia da votação). Ainda no fim de semana, Luiz Fux suspendeu a decisão do também ministro Lewandowski que autorizava a Folha de São Paulo a entrevistar o ex-presidente Lula na carceragem da Polícia Federal. Sérgio Moro voltou à cena pública ao liberar o sigilo do teor da delação de Antônio Palocci no contexto dos processos da operação Lava Jato. Nesta segunda, Lewandowski reafirmou a validade da sua decisão, desautorizando a ordem de Fux e determinando o cumprimento imediato da medida que garantia à Folha o exercício da liberdade de imprensa. Poucas horas depois, o presidente do STF confirmou a liminar de Fux, impedindo a divulgação da entrevista até a decisão da controvérsia pelo plenário do Supremo.

O carnaval judicial é desalentador. De um lado, juízes de cúpula disputam em público a autoridade para decidir, terminando de corroer o que restava da harmonia do STF como colegiado, do outro, magistrados de primeira instância se aproveitam de subterfúgios processuais questionáveis para tutelar a opinião pública e definir o desfecho da eleição. As decisões significam muito não só pelo teor das ordens escritas, mas especialmente pelo modo e momento em que foram tomadas.

A ordem de Fux para impedir a entrevista de Lula a Folha é difícil de ser explicada por critérios estritamente jurídicos. Os absurdos vão da inadequação do meio escolhido à ilegitimidade da parte. Como cereja no bolo, o ministro determinou uma esdrúxula censura prévia: a Folha foi proibida de veicular entrevista que porventura já tivesse realizado. A pressa e o desleixo na fundamentação saltaram aos olhos da imprensa: sem precedentes desde a redemocratização, para além das aberrações formais, a decisão contraria, no conteúdo, o entendimento do tribunal sobre os limites do direito à liberdade de expressão.

Os erros grosseiros foram criteriosamente explorados por Lewandowski nas dezessete páginas do despacho em que reafirma a autoridade da própria decisão. Foi didático. Apontou a má qualidade da técnica de Fux e seu oportunismo eleitoral, pondo em dúvida as razões que levaram o ministro a decidir como decidiu. Em conversa exasperada com o presidente do STF nos corredores da faculdade de Direito da USP, relatada pela revista Época ainda na segunda, Lewandowski ameaçou denunciar os desvios de poder no tribunal na próxima sessão do plenário. A quarta-feira promete.

Se a pressa foi a característica da decisão de Fux, a paciência foi o trunfo do juiz Sérgio Moro. O timing parece ter sido especialmente estudado no caso da delação de Palocci. Depois de evitar a realização de audiências com a participação de Lula nas semanas anteriores ao pleito sob o pretexto de que os atos seriam utilizados para finalidade eleitoral, Moro retoma uma estratégia que já havia utilizado previamente: a liberação oportuna do sigilo de provas dias antes de decisões políticas especialmente dramáticas para o destino da nação. Fez isso antes do impeachment de Dilma Rousseff e volta a fazer a poucos dias de uma eleição que envolveu ataques, candidaturas impugnadas e ódios mútuos. Sua iniciativa é tão parcial quanto a do juiz que almejava recolher, com ajuda do Exército, as urnas eletrônicas: a diferença entre os dois é de estilo.

A anarquia judicial tem um custo altíssimo. Numa batalha pela manipulação do acesso à informação, juízes tentam controlar, via processo, a amplitude daquilo que o eleitor deve conhecer para escolher seu candidato. Ao leitor desencantado (e confuso) só restam duas grandes esperanças: a de que haja urna eletrônica para votar no domingo e a de que a democracia brasileira seja capaz de resistir ao desastroso senso de oportunidade de seus juízes.

*Juliana Diniz é doutora em Direito e professora da Universidade Federal do Ceará- UFC.

 
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