Uma questão de sobrevivência

 

8 de março

“Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. A frase mais famosa da filósofa Simone de Beauvoir diz bem mais do que permite uma primeira leitura. É provocativa, pertinente, quase incômoda. Nos chama à reflexão sobre algo cada vez mais latente na contemporaneidade: a construção social, histórica e cultural da nossa condição de mulher. Mais ainda: a necessidade de refutarmos a naturalização dos elementos atribuídos a essa condição.
No Brasil, ser mulher significa que uma de nós é estuprada a cada 11 minutos. Que 536 de nós sofre violência física a cada hora. Que uma de nós é morta a cada duas horas. Quando se tratam de mulheres negras esses números se agravam, e muito. São verdadeiras sobreviventes. Parece que o mundo está sempre em guerra. E independente da motivação histórico-cultural, quase sempre há um inimigo comum: a mulher.
Por essa razão nós também devemos ser inimigas, mas do sistema patriarcal, capitalista e misógino que não nos reconhece como sujeitas de direitos. Do basilar direito à vida, aos nossos direitos reprodutivos, sempre há meios que impedem de alcançarmos a plenitude da nossa feminilidade e principalmente da nossa sexualidade. A razão? Uma, de imediato: o medo de que sejamos livres e não tenhamos mais medo. Essa ideia deve ter atormentado do carrasco que nos queimou na fogueira ao marido que nos espancou entre quatro paredes.
Não é contraditório que diante desse cenário, somos nós as heroínas incansáveis dos modelos sociais que nos oprimem? Somos as cuidadoras universais, as trabalhadoras que exercem multitarefas intermináveis desde sempre, sem reconhecimento. Retirem as mulheres e a ordem social muda, pra pior. A pirâmide social em qualquer sistema tem na sua base mulheres, mais ainda, mulheres negras. E mesmo escravizadas pelas imposições de padrões inatingíveis, seguimos firmes. Somos as melhores, mesmo em condições profundamente desiguais. Sabem por quê? Fomos forjadas na luta e resistência é o nosso primeiro nome.
O mundo precisa de nós. Mas nós também precisamos de um mundo sem machismo. É esse o inimigo a ser combatido. Se ninguém “nasce” mulher, ninguém nasce machista. É outra construção social. É por isso que precisamos tanto do feminismo. Ser feminista está além de qualquer definição rasa que induz ao sexismo para deslegitimá-lo. Feminismo é uma outra palavra para igualdade, já disse Malala. Feminismo também é outra palavra para justiça. Qualquer busca pelo bem comum será em vão, enquanto nós mulheres formos invisibilizadas, subalternizadas e violentadas cotidianamente e isso não for motivo de perturbação.
No fim das contas, nos resta a revolução: das mulheres, pelas mulheres. Os homens são bem vindos a apoiar. O machismo também pode ser muito severo com eles. Mas, que fique claro: mais do que o nosso lugar de fala, esse é o nosso lugar de luta. O feminismo não se resume a um mero viés ideólogo, é instrumento universal de sobrevivência das mulheres.
Fomos nós que parimos esse mundo. É das nossas entranhas que saem os que nos violam, nos matam. Mas é também de onde saem as que nos amam, nos acolhem e nos apoiam. Imaginem o tamanho do nosso poder: dar a vida, formar o outro. Sabe do que precisamos? Usar esse poder ao nosso favor. Unidas por uma educação feminista, já seria um grande começo.
Olhem atentas para si, para dentro: todas já somos vitoriosas das nossas próprias batalhas. Quando nos unirmos por nós, seremos plenas. Mais ainda, seremos livres. Porque seremos todas, em uma só. Feliz dia de luta da mulher.