Governador Witzel tenta amenizar assassinato de músico no Rio

Evaldo Rosa dos Santos teve seu carro alvejado por 80 tiros. Witzel diz que não lhe cabe "fazer juízo de valor" e Bolsonaro não se pronunciou. OAB-RJ e deputada estadual vêem riscos para a democracia.

Viúva de Evaldo Rosa dos Santos - Fábio Teixeira / AP

Nove militares do Exército dispararam mais de 80 tiros contra o carro de um músico que estava indo para um chá de bebê com sua esposa, seu sogro, seu filho de 7 anos e a afilhada de 13. Os momentos de horror vividos pela família em Guadalupe (zona norte do Rio), tiveram como desfecho a morte de Evaldo Rosa dos Santos e ferimentos em seu sogro, Sérgio Gonçalves de Araújo, de 59 anos. As informações são da Polícia Civil. 

 
Evaldo morreu na hora, só conseguiu virar o carro na tentativa de proteger sua família. Segundo a viúva, Luciana dos Santos, moradores chegaram a tentar socorrer seu marido, mas militares continuaram atirando.  Parentes e amigos dizem que as vítimas foram confundidas com bandidos.
 
Wilson Witzel se desresponsabiliza: "não me cabe fazer juízo de valor"
 
Diante de tamanha barbárie, o governador Wilson Witzel diz que não lhe cabe “fazer juízo de valor" e afirma confiar nas instituições. Acrescenta ainda a importância do Exército para a democracia, o que sinaliza uma intenção em seguir utilizando as Forças Armadas para reforçar o policiamento no estado do Rio de Janeiro. O ex-juiz ainda disse que não lhe cabe opinar sobre os fatos serem apurados pela Justiça Militar.  O Presidente da República, Jair Bolsonaro, não se dignou sequer a comentar o caso.

Deputada cobra postura de governador Witzel.
"Isso é um absurdo, a população não pode aceitar isso!”, disparou a deputada estadual Enfermeira Rejane. A parlamentar diz estar indignada e cobra respostas de Witzel e Bolsonaro: “nossos governantes não podem ter esta postura! Que recado é este que estão passando para a população quando o Exército assassina uma pessoa com 80 tiros e o julgamento é feito pela Justiça Militar, por eles mesmos?”.  Tanto as investigações quanto os possíveis processos criminais gerados por elas estão a cargo das Forças Armadas, conforme estabelece uma lei sancionada pelo então presidente Michel Temer em 2017. Para a deputada, “isso tem que ser revisto imediatamente”.
 
Versão dos militares não convence, e OAB pauta mudança de modelo
 
A versão dos militares, de que abriram fogo em resposta a uma "injusta agressão" de "assaltantes" que teriam iniciado o tiroteio, contrasta com os depoimentos dos vizinhos e com a perícia que a Polícia Civil teve que realizar por conta da dificuldade dos próprios militares para examinar a cena do crime diante da revolta da população. O delegado Leonardo Salgado, que assumiu os trabalhos, disse que tudo indica que os militares fuzilaram o carro da família por "engano". Já o Comando Militar do Leste, que investiga o caso e havia emitido nota corroborando com a versão dos membros que participaram da operação, precisou voltar atrás "em virtude de inconsistências identificadas entre os fatos inicialmente reportados e outras informações que chegaram posteriormente". E determinou o afastamento imediato e a prisão de dez dos doze militares que participaram da operação por "descumprir as regras de engajamento".
 
Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), as autoridades precisam rever a atuação do exército: “as forças armadas brasileiras não têm nenhuma condição de realizar atividade de policiamento ostensivo no Rio, não são treinadas para operar em territórios urbanos”, argumenta o presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-RJ, Rafael Borges. O advogado defendeu um reposicionamento das forças de segurança para evitar que novos casos como este ocorram. Para ele, não basta punir os militares envolvidos, é preciso repensar o modelo. Rafael Borges afirmou ainda que o caso não pode ser enquadrado como legítima defesa e acrescentou: “80 tiros é absolutamente incompreensível.  Não há tática de confronto que justifique". O representante da OAB ainda alertou para o recorte espacial e racial do caso: “existe um corte de raça muito claro na produção de letalidade policial. Além disso, estamos repetindo a velha lógica de que na periferia existe vácuo de direitos”, pontuou.
 
A Enfermeira Rejane alertou para a ameaça democrática que este tipo de ação representa: “Isso foi um recado para o povo, e nós temos que abrir os olhos, porque o que está em jogo é a democracia do nosso país”.