Guedes e Moro são faces do mesmo Bolsonaro

Trata-se de farsa ideológica e ética a grande imprensa brasileira tentar apresentar-se como isenta e independente face ao governo Bolsonaro, quando, de fato, o apoia, como apoiou o golpe de 1964 e a era Campos-Bulhões-Delfim, como apoia todo governo de força que promova o império do capital, efetivo condutor de seus movimentos.

Moro e Guedes - Foto: Silvia Izquierdo/AP

E é este, exatamente, o regime de nossos dias, a aliança antipopular neoliberal e ao mesmo tempo autoritária que assegura a absoluta liberdade do mercado e impõe restrições aos direitos civis, às liberdades e aos interesses dos trabalhadores. Nesse regime, que ajudou a implantar (desde a preparação do impeachment), o papel da grande mídia é o de legitimadora, junto às grandes massas, dos interesses da classes dominante, promovendo a sistemática distorção da realidade, a construção do falso como substituto do real. Critica em editoriais os excessos autoritários do capitão, no mesmo tom em que se dedica à defesa da “pauta Guedes” e entoa odes e loas ao ex-juiz feito ministro como recompensa aos seus deslizes na Lava Jato, buscando passar para a população a falsa imagem de que estamos diante de entidades distintas, e não de duas faces da mesma moeda. Repete e amplia essa falsa percepção como se reproduzisse a realidade. Ora, esses personagens, e seus projetos, são inseparáveis e interdependentes como vasos comunicantes.

A “pauta Guedes” – nota promissória que caucionou o apoio do mercado à candidatura do capitão – foi levada ao governo pelo atual presidente, e é um dos esteios de sustentação do bolsonarismo junto ao grande capital, e, para operar, de mãos e pés livres como agora, depende do projeto autoritário militar-civil em plena consolidação. Pois só um Estado autoritário pode levar até às últimas consequências uma pauta econômica neoliberal em país de economia estagnada, crivada por uma patológica desigualdade social e algo como 13 milhões de desempregados, epidemia que, segundo a FGV, mais atinge os jovens de 19 a 29 anos, principalmente os jovens mais pobres.

Os jornalões que aqui e acolá fazem restrições, justas,  ao capitão e sua caterva são os mesmos que, em suas páginas de fundo e nos textos de seus principais articulistas, exalta o ex-juiz, como se pudessem ser medidas as diferenças entre essas duas espécimes de autoritarismo caboclo.  Pensará essa gente que o juiz das falcatruas da Lava Jato é menos próximo do fascismo do que seu chefe de hoje?

De manipulação em manipulação, a chamada grande imprensa (gráfica e tecnológica)   faz o jogo da direita e da extrema-direita, pois, para nossa atrasada classe dominante, são válidos todos os expedientes quando se trata de afastar as forças progressistas de qualquer expectativa de poder, mesmo quando a alternativa poupada seja o autoritarismo, com o qual, aliás, em todo o mundo e em todos os tempos, o capital sempre dialogou muito bem, servindo e servindo-se.

O mesmo jornalismo que se abespinha com os excessos canhestros da súcia governante – acima de tudo porque não contribuem para a coesão em torno do chefe – canta os “avanços” da economia brasileira, a pílula dourada com a qual tenta vender à população um país que só existe nos contos de carochinha.

Mente para sustentar o bolsonarismo.

No regime do ajuste fiscal – um dos pleitos do golpe de Estado parlamentar que derrubou Dilma Rousseff –, a dívida pública federal sobe 9,5% e vai a R$ 9 trilhões. O crescimento do PIB continua medíocre e a renda per capita dos brasileiros permanece estagnada, quando a taxa de crescimento demográfico cai a níveis de países europeus desenvolvidos. No período 2010-2019 o PIB marcou sua pior taxa em 12 décadas, mesmo considerando a previsão otimista de crescimento de 1,7% do Boletim Focus do Banco Central para 2010. O PIB do quarto trimestre de 2010 cresceu apenas 1,0%.

As contas externas têm hoje um rombo de US$ 50,7 bi, o pior resultado desde 2015. A crise econômica internacional, a crise geral do comércio e a desaceleração da China (embora ainda seja a economia que mais cresce no mundo, a previsão de aumento do PIB para 2019 é de 6,1%, a menor taxa em 29 anos), nosso principal parceiro comercial, fazem antever a continuidade da queda das vendas externas e, ao mesmo tempo, se o país não tiver sua crise interna agravada, a expectativa é de aumento das importações de matérias-primas, insumos e bens de consumo final. A dívida externa bruta saltou de US$ 320,61 bi, em 2018, para US$ 323,59 bi em 2019, e o quadro só não é mais grave porque o governo está deitado no colchão de US$ 356,9 bilhões acumulados como reservas internacionais a partir dos governos Lula.

No entanto, a “confiança do empresário é a maior desde 2010”, diz o Valor de 24/01/2020.

Esse empresário não tomou conhecimento da queda das vendas do varejo, que se deu apesar das campanhas de liquidação de Natal e fim de ano e da Black Friday. O mais de grave de tudo é que esse empresário ignora a queda da produção industrial (-1,2%).

Depois da estagnação, começamos a andar para trás.

Escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia

Fonte: Blog do autor

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