Coronavírus: Os riscos sanitários, econômicos e genocidas

Nem mesmo uma enxurrada de recursos de estímulo econômico – da ordem de trilhões de dólares – será suficiente para conter as sequelas de países que preferiram o genocídio à ciência e à vida

A “pandemia do século 21” já alcançou todos os continentes, afetando Estados e a população civil. Segundo a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), trata-se do sétimo tipo de coronavírus humano identificado, denominado de Sars-COv2, que é o causador da doença infecciosa Covid-19, detectada em Wuhan, na China.

Em meio ao surto, vemos com apreensão a desarmonia entre políticos que se recusam a tomar medidas de senso científico consolidado, desacreditando das recomendações de autoridades sanitárias. O noticiário confirma que, onde o combate à pandemia se iniciou tardiamente, há recordes diários de novos casos e mortes – caso de Itália, Espanha, França, Reino Unido e Estados Unidos. É altíssimo o custo de desconsiderar as evidências científicas de distanciamento social e estabelecimento de quarentena como meios efetivos de combate ao coronavírus.

No sentido contrário, em Wuhan – sétima cidade chinesa mais populosa, com mais de 11 milhões de habitantes –, as autoridades rapidamente agiram para isolar as pessoas em suas casas e construiu hospitais, ofertando leitos de UTI com respirador a todos e evitando a superlotação do sistema de saúde. Pesquisadores que já viajaram a China (como um dos autores deste texto, Rogério Carvalho) lembram a disciplina do povo e a eficiência do governo – outros trunfos para a contenção da doença.

No momento, o governo chinês já começa a considerar a extinção da quarentena, uma vez que novos casos locais deixaram de surgir. Todavia, há grande preocupação com os chineses infectados fora do país, mesmo que sob monitoramento das autoridades.

A aplicação de quarentena traz o efeito amargo à economia de regiões e nações, cuja circulação de mercadorias e riquezas é drasticamente reduzida. Há uma frustação inevitável com a expectativa dos lucros por parte especialmente dos empresários e rentistas que ainda estavam superando a crise capitalista de 2008. São esses setores que, invariavelmente, procuram constranger governos a afrouxar as medidas restritivas.

A predominância da economia sobre vidas impõe um dilema: será que o fato de parte dos dirigentes políticos mundiais retardar a adoção de medidas de restrição social configuraria genocídio? E a baixa testagem de infectados? E os números exorbitantes de doentes sem atendimento, abandonados à morte em suas residências, devido à falta de estrutura na saúde?

Em Que és el genocídio? (2013), o sociólogo e professor da Universidade de Barcelona Martin Shaw mostra como é justamente assim que se dá a violência intencional por parte de governantes que tomam para si as rédeas da ação e abusam do controle dos meios. A partir dos estudos de Shaw – que é especialista em direitos humanos, guerra e genocídio –, é possível considerar, sim, que a não contenção adequada da propagação do coronavírus, por razões de ordem econômica, configura um processo genocidário.

Na realidade, a repulsa a medidas de restrição se torna cada vez mais injustificável. No Brasil, foram os governos estaduais – e não a gestão Jair Bolsonaro – que recorreram à quarentena, enquanto o presidente seguia avesso ao isolamento social e ao fechamento do comércio e de estabelecimentos. Desde 25 de fevereiro, quando o País registrou o primeiro caso, o número de infectados cresce vertiginosamente a cada dia.

Segundo o Ministério da Saúde, até esta quarta-feira (1º/4), eram 6.836 infectados e 240 mortos.  A taxa de óbito por casos confirmados chega a ser nove vezes superior à de países com quantidade de infectados parecida, mas que adotaram logo o isolamento.

Em Israel, além de isolar as pessoas em suas casas, o governo utilizou algoritmos e o big data para antever as áreas de possível expansão da pandemia. Informações foram coletadas por meio de questionários previamente enviados. O cruzamento dos dados foi a base para a implantação de certos métodos de mitigação do avanço do vírus. Assim, o número de israelenses infectados, hoje, é de 6.092, com apenas 25 mortos.

Já na América Latina, com exceção do Equador, outros países registram impacto menor do que no Brasil. A maioria das nações atingidas com o coronavírus não demorou a isolar a população, com o alinhamento entre autoridades. A Argentina, por exemplo, soma 1.054 casos confirmados e 28 mortes, ao passo que o Chile tem 3.031 infectados e 16 óbitos. Nos dois países, o primeiro caso foi registrado na mesma data – 2 de março.

Mesmo nos Estados Unidos, apesar da soberba inicial de Donald Trump em menosprezar as medidas de isolamento social em nome da economia, o presidente norte-americano reconsiderou sua posição. Quando o país se tornou o novo epicentro da pandemia, a quarentena avançou no território norte-americano – que acumula 209 mil casos e 4.633 mortos.

Ainda que a recessão econômica, no país e no mundo, preocupe as autoridades governamentais, não se justifica mais a resistência às ações restritivas. Nem mesmo uma enxurrada de recursos de estímulo econômico – da ordem de trilhões de dólares – será suficiente para conter as sequelas de países que preferiram o genocídio à ciência e à vida.

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