Por que a Covid-19 está afetando principalmente os negros nos EUA?
Estudo mostra que 42% das vítimas fatais são negras, sendo que esse nicho da população corresponde a cerca de 21% de cidadãos do país.
Publicado 14/04/2020 12:13 | Editado 14/04/2020 12:38
Uma recente análise, feita pela Associated Press sobre os 13 mil primeiros casos de mortes por Covid-19 nos Estados Unidos, mostra que cerca de 42% das vítimas fatais eram negras, sendo que esse nicho da população corresponde a cerca de 21% de cidadãos do país.
Os pesquisadores averiguaram que outros grupos minoritários se mantêm razoavelmente alinhados às suas proporções demográficas, com exceção dos hispânicos.
A Covid-19 vem tendo maior impacto em grandes cidades dos EUA, como Nova York, Milwaukee e Nova Orleans. Há poucos dias, a Prefeitura de Chicago divulgou que 72% dos mortos e 52% dos que testaram positivo devido ao coronavírus eram negros (que correspondem a cerca de 30% da população da cidade).
Abaixo, veja trechos da entrevista que a pesquisadora Tina Sacks, professora assistente da Universidade de Berkeley, concedeu a respeito dessa disparidade. Ela é especialista em desigualdade racial e suas consequências sociais nos EUA.
Berkeley News: Os dados estão mostrando que a população negra dos EUA está sendo muito mais afetada pela pandemia, especialmente em áreas urbanas. Que fatores estruturais da sociedade explicam esses números?
Tina Sacks: Infelizmente, esses dados iniciais vão ao encontro do que já esperávamos, dada a desigualdade estrutural do nosso país. Em primeiro lugar, os negros sofreram com décadas de segregação racial, diferente de qualquer outro grupo étnico ou racial. Isso significa que vizinhanças negras têm, em geral, menos alicerces institucionais, como boas escolas, locais seguros, opções de lazer, etc. Há uma nítida relação, por exemplo, entre bairro segregados e baixa concentração de árvores, fato que causa uma grande piora na qualidade do ar.
Cidadãos negros, em geral, estão desproporcionalmente mais expostos a toxinas do meio ambiente. Estão, também, mais condicionados a crescer na pobreza, a viver em casas precárias, a frequentar escolas de qualidade inferior e a terminar no sistema carcerário. Esse conjunto de fatores resulta em alguns problemas de saúde crônicos com mais frequência, como diabetes, hipertensão, asma, o que os torna mais vulneráveis à Covid-19.
Além disso, cidadãos negros também costumam ocupar determinadas vagas do mercado de trabalho que não lhes permitem ficar em casa neste momento, o que os torna também mais suscetíveis ao contágio pelo coronavírus. Isso vale para outras minorias nos EUA também, claro.
BN: Por que a vida urbana das grandes cidades é especialmente perigosa para a proliferação dessa pandemia?
TS: Apesar de eu não ter visto dados específicos sobre isso, eu presumo que viver em áreas densamente povoadas, como Nova York, pode acelerar a transmissão. Sabemos que em muitas cidades com grande número de cidadãos negros não é possível exercer o distanciamento social adequado.
BN: Por que cidadãos negros têm sido pouco testados para a Covid-19?
TS: Porque pessoas negras (e de origem latina também) são, proporcionalmente, menos cobertas pelos planos de saúde particulares. Temos visto que pessoas ricas e famosas (independente de sua cor de pele) conseguem fazer o teste facilmente.
BN: O governo federal, os estados e as cidades estão tomando medidas eficientes o bastante para atacar a pandemia?
TS: Como as causas para esse problema estão ligadas de modo tão profundo à desigualdade social do país, eu creio que as soluções precisam ir a fundo nesses males – e isso demanda muito tempo e vontade política. Nesse ínterim, cidades como Chicago estão tomando algumas medidas importantes, tais como: 1) relatórios com os números de infectados e mortos divididos por raça e origem étnica; 2) criação de equipes de saúde pública composta por ativistas com inserção a determinadas comunidades, em especial as mais afetadas pela pandemia; 3) reconfiguração do transporte público para facilitar o distanciamento social dos passageiros. É preciso tomar medidas de curto e longo prazo. Vejo que finalmente alguns prefeitos estão olhando com mais atenção para certos problemas sociais, que aumentam a desigualdade. Temos que caminhar rumo a um sistema de seguridade que garanta licenças médicas remuneradas e um mínimo de cobertura médica pública no país.