Proteger os povos indígenas do Covid-19

A prestigiada revista científica Science publicou carta dos pesquisadores Lucas Ferrante e Philip Martin Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), na qual eles relatam as ameaças sofridas pelos povos indígenas na Amazônia com a pandemia de coronavírus

Aldeia Yanomami (Foto: Mário Vilela/Funai)

À medida que a doença de coronavírus 2019 (COVID-19) se espalha pelo Brasil, o presidente Jair Bolsonaro negou repetidamente a gravidade da pandemia e transmitiu informações enganosas e mensagens mistas sobre como responder, defendendo o uso de hidroxicloroquina e o fim da quarentena.

As evidências científicas atuais contradizem essas recomendações e o discurso do presidente coloca a população do Brasil em risco. Ignorando as avaliações otimistas de Bolsanaro, o sistema de saúde pública no Estado do Amazonas já “entrou em colapso”, de acordo com uma declaração do prefeito da capital do estado.

O governo Bolsonaro deve reverter imediatamente sua atual postura de minimizar a ameaça do COVID-19 e tomar medidas para proteger as populações vulneráveis do Brasil, incluindo seus povos indígenas e tradicionais.

Os grupos de risco padrão para Covid-19 são idosos e com comorbidades, mas no Brasil faz sentido expandir a designação de grupo de risco para incluir povos indígenas.

Os patógenos historicamente têm sido um dos fatores mais poderosos para dizimar os povos indígenas da América do Sul. O Covid-19 representa uma ameaça particular para essas comunidades, uma vez que o governo federal do Brasil marginalizou e negligenciou os povos indígenas, mesmo quando seus direitos são garantidos por lei ou por acordos internacionais.

Pode-se esperar que povos indígenas e tradicionais sejam especialmente vulneráveis à síndrome respiratória aguda grave – coronavírus 2 (SARS-CoV-2), o vírus que causa o COVID-19.

Além de seu histórico de suscetibilidade a epidemias, muitas dessas comunidades isoladas carecem de postos médicos, médicos e medicamentos básicos, para não falar dos ventiladores que seriam necessários para tratar um surto de COVID-19.

O governo Bolsonaro demitiu recentemente 8.000 médicos cubanos que atendiam a pequenas comunidades no interior do país, o que foi especialmente prejudicial às comunidades indígenas e tradicionais da região amazônica.

O governo do Brasil deve agir na Amazônia para proteger essas pessoas. Em vez de permitir que missionários evangélicos entrem em contato com grupos indígenas isolados, todos os meios de transporte para essas áreas devem ser restritos.

O primeiro caso indígena da doença foi confirmado em 01 de abril. De acordo com as diretrizes internacionais, o governo brasileiro deve garantir isolamento e monitoramento nas áreas indígenas, bem como para todos aqueles que têm contato com elas.

O governo deve agir rapidamente para fornecer médicos, equipamentos de proteção individual e recursos de teste nessas áreas.

Na escala nacional, o Brasil deve manter uma quarentena nacional para mitigar o impacto da doença. Medidas favorecidas pelo presidente do Brasil, como “isolamento vertical” ou uma quebra parcial do isolamento, entram em conflito com as recomendações da Organização Mundial da Saúde e com estudos científicos, colocando em risco toda a população do Brasil.

A eficácia da hidroxicloroquina não é confirmada, embora seus riscos sejam. Proteger os povos indígenas e tradicionais do COVID-19, reconhecendo seu aumento de risco e agir em conformidade, protegerá a saúde pública de todos os brasileiros e salvaguardará a sustentabilidade da Amazônia.

Lucas Ferrante é biólogo e doutorando em Ecologia, orientado por Philip Fearnside no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Na mesma instituição fez também o mestrado em Ecologia. Formado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), ele estuda o impacto da mudança climática sobre biodiversidade.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e pesquisador 1A de CNPq. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007.

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