19 quilombolas morreram por coronavírus; pandemia avança na zona rural

Maioria das vítimas morava no Amapá, que registra a mais alta taxa de incidência de Covid-19 no País

O avanço da pandemia do novo coronavírus pelo interior do Brasil chegou às comunidades quilombolas e já provocou a morte de pelo menos 19 moradores desses territórios. Ao todo, 65 descendentes de negros escravizados testaram positivo para a doença. Os números fazem parte de um levantamento independente da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

Segundo a entidade, o número pode estar defasado. A Conaq depende do contato com as lideranças locais para identificar novos casos, mas algumas comunidades não têm sequer energia elétrica e internet. Há cerca de 6 mil territórios quilombolas no Brasil, mas apenas 4 mil são reconhecidos pelo governo federal.

“Há duas semanas, tínhamos seis mortes. Agora, temos mais do que o triplo – e amanhã certamente teremos mais”, afirma Givânia Silva, uma das coordenadoras da Conaq. Está muito evidente o avanço do coronavírus nas comunidades quilombolas.” Como as autoridades de saúde não distinguem se os pacientes de Covid-19 pertencem a esses territórios, a Conaq resolveu acompanhar de perto a evolução do número de vítimas do coronavírus. Assim os quilombolas não cairão na invisibilidade

A maioria das mortes ocorreu no Amapá: 36,8%. O coronavírus matou sete quilombolas amapaenses, que viviam nos quilombos Abacate da Pedreira, Ressaca da Pedreira, Goiabal, Lago do Papagaio e Ambé. O estado possui a mais alta taxa de incidência de Covid-19 no Brasil, com 2.600 casos para cada milhão de habitantes.

O último óbito no Amapá ocorreu no dia 5 de maio. A vítima foi uma mulher chamada Maria Oliveira, de 60 anos. Ela vivia no Quilombo Ressaca da Pedreira, na zona rural de Macapá, distante 35 quilômetros do centro da cidade. Outras duas pessoas quilombolas da mesma comunidade também morreram com Covid-19.

A região amazônica contabiliza mais quatro quilombolas mortos por coronavírus, todos no Pará. É o caso de André de Oliveira Lima, de 53 anos. Morador da comunidade Genipauba, em Abaetetuba, o agricultor familiar chegou a ser encaminhado para Belém. Com o sistema de saúde da capital paraense em colapso, André conseguiu tarde demais uma vaga em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Morreu em 5 de maio.

Abaetetuba faz divisa com Moju e Barcarena. Os três municípios, juntos, têm 358 casos e 20 mortes por Covid-19 confirmadas. Na região vivem 50 comunidades quilombolas que são cortadas por estradas e enfrentam dificuldades em manter o isolamento social.

“Como não há políticas públicas para nos defender, as próprias comunidades se organizaram para criar barreiras sanitárias, mesmo sem uma determinação legal para isso”, diz Magno Nascimento, morador da terra quilombola África, em Moju. “Agora, há quilombolas sendo agredidos por fazendeiros e donos de linhas de ônibus que desejam passar pelos territórios. Isso tem gerado atritos.”

Há mortes de quilombolas por coronavírus também registradas em outros seis estados: duas em Pernambuco, duas em Goiás, uma no Rio de Janeiro, uma em Minas Gerais, uma no Maranhão e uma na Bahia. Há ainda 36 casos em monitoramento e duas mortes suspeitas, mas ainda sem confirmação.

A interiorização da pandemia preocupa a Conaq. Os territórios quilombolas estão na zona rural ou em pequenos municípios – onde há mais deficiências em infraestrutura de serviços de saúde. “A falta de políticas públicas para essas comunidades é histórica e antecede a pandemia. O que a Covid-19 faz é escancarar isso e colocar todo o seu impacto sobre as populações marginalizadas, como as quilombolas”, afirma Givânia.

Outra preocupação é o acesso ao auxílio emergencial. O cadastro do benefício requer energia elétrica, internet e celular, serviços que parte das terras quilombolas não tem – o que força a ida dos moradores até as cidades.

“Desde a chegada da pandemia, temos dado orientações baseadas no que dizem as autoridades de saúde, mas reconhecemos que algumas não batem com a realidade”, diz a coordenadora. “Como falar para a pessoa não ir à cidade obter sua renda? Como pedir para lavar as mãos em uma comunidade que não tem água potável para beber?”

Com informações da Época

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