Norte e nordeste lideram crescimento da covid-19 no Brasil

Falta de coordenação nacional dificulta a conscientização da população que não segue protocolos mínimo de proteção. Tocantins é estado com mais crescimento da doença e de mortes em maio.

Imagem de câmeras de segurança mostram feira do Ver-o-Peso em Belém lotada em plena quarentena.

Mesmo com todos os esforços dos governadores e prefeitos para atacar a pandemia, a doença não para de crescer na região mais equatorial do país. Ainda que sejam decretadas quarentenas, lockdowns e recomendadas medidas de proteção individual, a população nordestina é resistente, lotando feiras públicas e áreas comerciais. A precariedade e pobreza de algumas áreas contribui para isso, assim como a desinformação promovida por setores políticos e sociais.

O cientista Miguel Nicolelis, coordenador do comitê do Consórcio Nordeste, afirma que as duas regiões sofreram mais com o avanço por conta de uma maior taxa de reprodutiva do novo coronavírus. “Basicamente, [Norte e Nordeste] tiveram essa alta por causa dos baixos índices de isolamento social. A sociedade ainda não se deu conta da relevância dessa medida e, sem ajuda federal, é muito mais difícil”, afirma, em entrevista ao UOL, que compilou os dados.

Outro cientista, o Dr. Marcos Boulos, também comentou a situação do Nordeste, em entrevista ao portal Vermelho. O infectologista acha importante lembrar que o Brasil tem grandes bolsões de pobreza, de periferias onde as pessoas nem têm onde viver e não dá pra fazer confinamento. Isso de certa maneira agrava muito a situação, na opinião dele. “O Nordeste está muito difícil, o Amazonas numa dificuldade enorme, porque são estados com muita deficiência no sistema de saúde, com poucas UTIs, além dos rincões de pobreza que são maiores também”, justificou.

Apesar da orientação contrária do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, estados como Amazonas e Ceará, mesmo com a explosão de casos e mortes, começam a discutir a possiblidade de flexibilizar o isolamento social ainda em junho. Boulos está com o Comitê, ao dizer que, mesmo com a flexibilização sendo feita em cima de parâmetros, ele não acha que os parâmetros serão seguidos de maneira adequada. A experiência nas periferias cearenses, por exemplo, mostra o descaso da população com as medidas protetivas.

“No resto do país tem estado que está em pleno crescimento da pandemia, começando agora, deve haver explosões de casos ainda no país”, afirmou o infectologista, ressaltando que foi em São Paulo, onde atua como consultor do governo estadual, que a epidemia chegou ao Brasil. Por isso, São Paulo está atravessando o pico da pandemia, enquanto a maioria dos estados vai demorar semanas para chegar ao mesmo patamar.

Nicolélis e Boulos

Para Nicolelis, o país chega à marca de mais de meio milhão de casos confirmados em meio a um “cenário caótico”. Esses números são extremamente subnotificados, de 7 a 10 vezes. Na realidade chegamos ainda sem um rumo nacional, temos apenas rumos regionais. Do ponto de vista nacional são 3,5 milhões de casos e estamos sem um ministro da Saúde. Isso não tem precedente na história, não é só no mundo hoje. É na história mesmo.”

Onze estados do Norte e do Nordeste ocupam as primeiras colocações entre as unidades da federação que tiveram maior alta nos números de casos de covid-19 no último mês. Os dados são referentes aos boletins do Ministério da Saúde dos dias 1º e 31 de maio.

O estado com maior alta no último mês foi o do Tocantins, que nos 31 dias de maio registrou um aumento de 116 para 4.176 casos — ou 3.500% a mais. Em seguida vêm os estados de Sergipe (1.976%) e Paraíba (1.783%). No que se refere a mortes, o ranking também é liderado pelo Tocantins, que teve um aumento de casos na ordem de 2.333%, seguido por Pará (2.033%) e Roraima (1.833%).

A predominância dos casos nas duas regiões fica ainda mais evidente quando vista em termos proporcionais à população. No caso do Norte, a incidência da doença chegou a 584 por cada 100 mil habitantes, enquanto no Nordeste ela foi de 314. As outras regiões registram todas índices menores: Sudeste (212), Centro-oeste (107) e Sul (77).

Quando se refere a percentual de mortes, o Norte lidera com quase o dobro da segunda colocada: 30,9 por cada 100 habitantes. Sudeste (com 15,7) e Nordeste (com 15,5) vêm em seguida.

O cientista afirma ainda que os pesquisadores pelo país têm trocado muitas informações sobre os cenários encontrados nos estados, e que o ideal no momento para tentar frear o avanço ainda maior do vírus seria uma união dos governadores para coordenação nacional de enfrentamento à pandemia. “Nosso desejo é que tenhamos ações sincronizadas entre governos e cientistas. Isso seria muito bom para termos alguma estrutura de enfrentamento não só regional, mas nacional. Isso é importante e considero que seria ideal”, pontua.

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