Mais de 2 mil indígenas aldeados adoeceram e 82 morreram
Indígenas atendidos em unidades de saúde das cidades não foram contabilizados. Maioria dos casos ocorre no Alto Rio Solimões (AM), na fronteira com Colômbia e Peru.
Publicado 09/06/2020 20:04 | Editado 09/06/2020 20:05
Desde o início da pandemia, 2.085 indígenas aldeados já foram contaminados com o Sars-Cov2 e 82 morreram em decorrência da covid-19. Outros 466 ainda são casos suspeitos e estão em investigação, enquanto 1.747 tiveram a contaminação descartada. Os dados – apresentados hoje(9) durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto – referem-se apenas aos indígenas que vivem em aldeias.
Casos do novo coronavírus foram registrados em 500 aldeias, que correspondem a 8,5% dos 5.852 agrupamentos deste tipo existentes no Brasil. Os distritos indígenas com mais infectados são do Alto Rio Solimões (AM) (444), do Ceará (158), do Maranhão (148), do Alto Rio Negro (AM) (141) e de Manaus (AM) (128).
“O distrito que mais nos preocupa é o Alto Rio Solimões, que concentra 21% dos casos. Outro que nos preocupa é o Alto Rio Negro. E o terceiro é o Vale do Javali, que concentra a maior população de indígenas isolados”, afirmou o secretário especial de Atenção Indígena do Ministério da Saúde, Robson Santos, sem fazer referência à invasão de garimpeiros e grileiros a terras indígenas durante a pandemia.
Na evolução no tempo, os casos ficaram controlados durante o mês de abril e aumentaram a partir do início de maio. A incidência de casos e óbitos acompanha em geral a dinâmica da população, com mais casos entre adultos (80%) e mais mortes entre idosos (60%).
“O primeiro caso na saúde indígena aconteceu muito tempo depois dos demais. Eles fizeram o isolamento social. Mas o tempo vai passando, alguns falam que só pega a pessoa de idade, mas os dados mostram que não. Os falecimentos são muito de pessoas idosas que não saíram da sua aldeia, mas pegaram de alguém mais jovem que saiu”, comentou Robson Santos.
Medidas específicas de proteção
O secretário listou algumas ações, como o acompanhamento dos casos, manutenção, disponibilização de recursos para compra de insumos, equipamentos, testes e equipamentos de proteção individual (EPIs), além da manutenção das equipes multidisciplinares das equipes de saúde.
“Foram criadas equipes de resposta rápida, um reforço de profissionais. Cada distrito pode contratar até duas equipes. Não temos problema de falta de recursos, mas falta de profissionais e dificuldade de comprar insumos, com máscaras que aumentaram 10.000% o valor”, observou o secretário.
Foram implantadas duas alas indígenas em hospitais de Manaus (AM) e de Macapá (AP), ampliações em unidades de saúde já em funcionamento. Outras estruturas semelhantes estão em implantação no Amazonas, Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Roraima.
Em Manaus, foi inaugurado, no fim de maio, uma ala hospitalar destinada ao atendimento de indígenas infectados pelo novo coronavírus. Adaptado a tradições e costumes indígenas, o espaço funciona no Hospital de Retaguarda Nilton Lins, que, desde abril, é considerado referência para o tratamento de pacientes com covid-19.
A ala indígena conta com 53 leitos, sendo 33 leitos clínicos, 15 leitos em unidade de terapia intensiva (UTI) e cinco em unidades de cuidados intermediários (UCI), além de posto de enfermagem. Um espaço foi destinado à instalação de redes e outro para a realização de rituais religiosos, respeitando as diversidades étnicas.
O primeiro caso confirmado de covid-19 em indígena foi confirmado pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas no início de abril. Segundo a fundação, vinculada à secretaria estadual de Saúde (Susam), trata-se de uma jovem de 20 anos de idade, da etnia Kokama, que trabalha como agente de saúde indígena na região da cidade de Santo Antônio do Içá (AM).
A vulnerabilidade a vírus
Indígenas e não indígenas estão imunologicamente suscetíveis a vírus que nunca circularam antes, como é o caso do novo coronavírus causador da Covid-19. Diferentes estudos atestam, no entanto, que povos indígenas são mais vulneráveis a epidemias em função de condições sociais, econômicas e de saúde piores do que as dos não indígenas, o que amplifica o potencial de disseminação de doenças. Condições particulares afetam essas populações, como a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, seja pela distância geográfica, como pela indisponibilidade ou insuficiência de equipes de saúde.
Além disso, os modos de vida de muitos povos criam uma exposição às doenças infecciosas a qual as pessoas nas cidades não estão submetidas. Grande parte dos povos indígenas vive em casas coletivas, e é comum entre muitos deles o compartilhamento de utensílios, como cuias, tigelas e outros objetos, o que favorece as situações de contágio.
Casos por DSEI
Dsei | Suspeitos | Confirmados | Descartados | Infectados (atual) | Cura Clínica | Óbitos |
ALAGOAS E SERGIPE | 14 | 15 | 19 | 12 | 1 | 1 |
ALTAMIRA | 6 | 19 | 10 | 14 | 4 | 1 |
ALTO RIO JURUÁ | 3 | 4 | 9 | 1 | 3 | 0 |
ALTO RIO NEGRO | 0 | 141 | 37 | 127 | 9 | 5 |
ALTO RIO PURUS | 0 | 38 | 27 | 21 | 15 | 2 |
ALTO RIO SOLIMÕES | 8 | 444 | 178 | 92 | 328 | 23 |
AMAPÁ E NORTE DO PARÁ | 0 | 117 | 57 | 67 | 49 | 0 |
ARAGUAIA | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 |
BAHIA | 4 | 12 | 83 | 10 | 1 | 0 |
CEARÁ | 79 | 158 | 169 | 95 | 59 | 4 |
CUIABÁ | 0 | 0 | 8 | 0 | 0 | 0 |
GUAMÁ-TOCANTINS | 3 | 144 | 32 | 83 | 50 | 11 |
INTERIOR SUL | 36 | 116 | 124 | 68 | 47 | 1 |
KAIAPÓ DO MATO GROSSO | 0 | 0 | 3 | 0 | 0 | 0 |
KAIAPÓ DO PARÁ | 3 | 58 | 46 | 55 | 0 | 1 |
LESTE DE RORAIMA | 9 | 86 | 65 | 58 | 22 | 6 |
LITORAL SUL | 7 | 18 | 79 | 13 | 4 | 1 |
MANAUS | 10 | 128 | 71 | 45 | 75 | 4 |
MARANHÃO | 104 | 148 | 62 | 144 | 1 | 1 |
MATO GROSSO DO SUL | 8 | 86 | 325 | 54 | 32 | 0 |
MINAS GERAIS E ESPÍRITO SANTO | 31 | 3 | 60 | 0 | 3 | 0 |
MÉDIO RIO PURUS | 0 | 11 | 1 | 0 | 11 | 0 |
MÉDIO RIO SOLIMÕES E AFLUENTES | 0 | 78 | 44 | 38 | 34 | 6 |
PARINTINS | 0 | 30 | 2 | 9 | 19 | 2 |
PERNAMBUCO | 2 | 40 | 29 | 13 | 21 | 2 |
PORTO VELHO | 25 | 15 | 23 | 9 | 4 | 2 |
POTIGUARA | 18 | 20 | 40 | 14 | 6 | 0 |
RIO TAPAJÓS | 74 | 28 | 5 | 21 | 2 | 4 |
TOCANTINS | 2 | 1 | 10 | 1 | 0 | 0 |
VALE DO JAVARI | 2 | 16 | 10 | 13 | 3 | 0 |
VILHENA | 0 | 0 | 5 | 0 | 0 | 0 |
XAVANTE | 4 | 19 | 29 | 18 | 0 | 1 |
XINGU | 1 | 2 | 3 | 2 | 0 | 0 |
YANOMAMI | 13 | 90 | 81 | 73 | 13 | 4 |
TOTAL | 466 | 2085 | 1747 | 1170 | 816 | 82 |
Apagão de dados sobre indígenas
Informações levantadas com base nos boletins das Secretarias Estaduais de Saúde sobre a pandemia e compiladas pela iniciativa Brasil.io. Para os casos indígenas, a fonte é a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde (MS). Os números informam sobre a dinâmica de notificação, e não refletem necessariamente a extensão da epidemia.
O atendimento aos indígenas que vivem nas cidades está sendo feito nas estruturas de saúde municipais e estaduais – fora do sistema de saúde indígena. Não há um monitoramento oficial desses casos.
Para a liderança Sateré-Mawé, Marcivana Paixa, a covid-19 expõe a “pouca-vergonha” do sistema regulador da Sesai, que ignora a presença de indígena na cidade, e a omissão dos órgãos de saúde estaduais e municipais. A covid-19 apenas explicita essa omissão, mas indígenas nunca são notificados por sua origem quando adoecem e procuram o sistema de saúde, garantindo o apagão de dados sobre o assunto.
“Os índios sempre estiveram doentes. Não é a partir dessa pandemia que isso acontece. Sempre houve alto índice de mortalidade dos indígenas. Só que como muitos estão nas cidades e não são cobertos nesse sistema de saúde, não aparecem nos dados oficias. A covid-19 escancara essa ‘pouca-vergonha’. Para a Copime, é importante a gente identificar quais as endemias que mais atingem as populações indígenas nas cidades, até para criar uma política de saúde de enfrentamento”, alerta ela.
Compõem a análise dados de vulnerabilidade social, disponibilidade de leitos hospitalares, números de casos por município, número de óbitos, perfil etário da população indígena, vias de acesso e outros fatores relacionados com a estrutura de atendimento da saúde indígena e mobilidade territorial.