Entregadores de aplicativos marcam greve nacional contra exploração

Paralisação será em 1º de julho

(Foto: Reprodução)

“A alimentação é a coisa que mais dói – ter que trabalhar com fome carregando comida nas costas.” O depoimento é de Paulo Lima, conhecido como Galo, motociclista que trabalhava para aplicativos de entrega (delivery) e que, desde março deste ano, tentar reunir a categoria para reivindicar melhores condições de trabalho. Fruto da organização desses entregadores, surgiu o anúncio de que, em 1º de julho, eles farão sua primeira paralisação nacional.

Galo não reivindica a organização da greve, embora tenha se tornado o rosto mais conhecido de uma categoria que se expandiu durante o período de pandemia. “As taxas e o fluxo de emprego caíram na pandemia – os aplicativos triplicaram o número de empregadores. Então, as taxas estão baixas e o serviço diminuiu”, explica. “O que está pedindo a greve? Melhores condições de trabalho, porque temos condições péssimas. Bloqueios injustos, dívidas injustas, não temos banheiro, nem alimentação.”

Galo se tornou conhecido em março deste ano, quando viralizou um vídeo em que ele fala sobre as condições de trabalho dos entregadores. Desde então, ele afirma que sofre perseguição política das empresas de delivery. “Todo esse movimento meu começou porque fui bloqueado oficialmente pela Uber, mesmo a Uber garantindo que não faria isso – e ela fez. Aí, fui capa da revista Exame, que é voltada para os empresários. Depois disso, caiu tudo, fui bloqueado em todos os aplicativos.”

O entregador afirma que as empresas adotam um método chamado “bloqueio branco”, quando querem afastar os trabalhadores por motivos que não podem ser justificados tecnicamente. “O cadastro fica ativo, você fica online, mas não recebe nenhum pedido, nada chega para você. E nem importa onde esteja – pode ficar circulando que a empresa não vai te passar nenhuma entrega.”

Para reverter a situação, Galo explica que a categoria decidiu provocar, lentamente, o vínculo empregatício. Por isso, decidiram exigir que as empresas paguem as refeições dos entregadores. “Se não for o suficiente, vamos fazer eles garantirem um plano de saúde. Se não for o suficiente, vamos fazer eles garantirem um salário. Até que chega um ponto em que eles terão que assinar a carteira.”

Segundo ele, durante a pandemia, entregadores faturam entre R$ 200 e R$ 300 por semana. “A gente fica com menos de um salário mínimo na mão. Tem que pagar prestação da moto, manutenção. Sempre tem um pneu que fura e outras dívidas. “Se pegamos coronavírus na rua, quem paga o tratamento e o tempo parado?” O piso salarial para motofretista, categoria em que os entregadores são ajustados, vai de R$ 980 até R$ 1.300.

O seguro de vida, previsto e pago pelas empresas de aplicativo, não garante o tratamento em caso de contaminação por coronavírus. A médica infectologista Rachel Stucchi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que a possibilidade de contágio poderia ser reduzida com condições adequadas de trabalho.

“A principal forma de transmissão é o contato próximo com as pessoas. O entregador deve estar de máscara, que cubra o nariz e vá até o queixo. Essa máscara não pode estar úmida, portanto, se trabalhar mais de quatro horas, deve levar duas máscaras”, explica ela. “Deve levar álcool gel e aplicar sempre que tiver contato com os clientes. Distanciamento social, higienização de mãos e máscara não garante que não haverá contaminação, mas diminui muito os riscos.”

Terceirização ilegal

Empresas que vendem serviço de entrega lançam mão de mecanismos para afastar a possibilidade de vínculo empregatício com os entregadores. Para o advogado Ronaldo Pagotto, esses aplicativos tentam forjar uma relação de “empresa para empresa”, evitando assim a admissão de uma relação de subordinação dos motoristas. “Mas não é o que se vê na prática. Os motociclistas são obrigados a cumprir horários e um padrão de qualidade no trabalho.”

Pagotto afirma que o modelo de contratação adotado pelas empresas de delivery é ilegal. “Estamos discutindo uma falsificação dessa relação, uma terceirização ilegal. O problema é que ela está ganhando cada vez mais uma blindagem da legislação”, acusa. “O patronato, no dia a dia, cuida de fazer a outra parte, para garantir que isso não fique evidente. O patronato, por exemplo, usa nas mensagens (dos apps para os entregadores) ‘você pode fazer quando quiser’ – o que é mentira.”

Quando cita a “blindagem da legislação”, Pagotto recorda a aprovação da reforma trabalhista e da lei da terceirização irrestrita, sancionadas em 2017, no governo Michel Temer. “A precarização do trabalho do empregado já era muito comum, mas agora ficou mais. Com a legislação do Michel Temer, isso passou a ganhar ares de legalidade, se tornando mais difícil comprovar uma terceirização fraudulenta.”

Com informações do Brasil de Fato

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