Julgamento no STF pode decidir destino de indígenas na pandemia
Para movimento indígena, manutenção de liminar de Luís Roberto Barroso é fundamental para manter diálogo com governo e construir uma política eficaz
Publicado 02/08/2020 09:00 | Editado 02/08/2020 12:08
Um julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) pode decidir o rumo da pandemia entre os povos indígenas, um dos grupos populacionais mais afetados pelo novo coronavírus no país. Está prevista para a próxima segunda (3) a análise pelo plenário da corte da liminar do ministro Luís Roberto Barroso, que obrigou o governo a apresentar soluções para a crise de saúde nessas comunidades.
No início do mês, o ministro Barroso acatou um pedido da ação formulada pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e seis partidos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT) cobrando um plano emergencial do poder público.
O julgamento é o primeiro no tribunal após o recesso do Judiciário, começa às 15h e será transmitido pelas redes sociais do STF e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
De acordo com a Apib, manter a liminar é fundamental para evitar uma catástrofe sanitária. Também é importante contemplar o único ponto da ação original não atendido por Barroso: a retirada de invasores de áreas criticamente afetadas pela epidemia – as Terras Indígenas (TIs) Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau (RO); Kayapó, Munduruku e Trincheira Bacajá (PA); Araribóia (MA); e Yanomami (AM/RR).
Para o movimento indígena, o governo é omisso no combate à crise de saúde e estimula invasões aos territórios indígenas, um dos principais vetores da Covid-19. A administração federal paralisou operações de fiscalização, exonerou os responsáveis pelas poucas ações realizadas nas TIs e, agora, ameaça os servidores com processos administrativos.
Barroso determinou a elaboração de um plano de enfrentamento à Covid entre os povos indígenas e a implantação de barreiras sanitárias em territórios de grupos isolados, entre outros. Mais de três semanas após a liminar, o plano ainda está em elaboração e as barreiras não foram implementadas, embora o prazo definido para esta última medida seja de dez dias (a contar da notificação da decisão). Uma análise preliminar de especialistas apontou erros conceituais e de informação no esboço de planejamento apresentado pelo governo para a ação. Locais estratégicos para a proteção de territórios foram ignorados e bases da Fundação Nacional do Índio (Funai), alguma desativadas, foram consideradas a priori como barreiras, mesmo sem equipamentos e protocolos implantados.
Conforme levantamento independente do Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena da Apib, mais de 600 indígenas morreram e 21 mil foram infectados pelo novo coronavírus até o fim de julho. Enquanto a taxa de mortalidade nacional é de 43 por 100 mil habitantes, entre essas comunidades ela alcança mais de 66 por 100 mil ou um número 54% maior (considerando a população indígena de quase 900 mil pessoas do Censo 2010 do IBGE).
Embora a epidemia esteja aparentemente estabilizada ou até decrescendo em alguns estados, deu um salto entre os povos originários. O número de mortes e casos entre eles aumentou 54% e 115%, respectivamente, entre junho e julho, ainda segundo a Apib. O número de povos atingidos pelo vírus cresceu de 118 para 143, no mesmo período.
Saiba mais sobre a decisão de Barroso
A decisão de Luís Roberto Barroso atendeu parcialmente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 709/2020 movida pela Apib. Esse tipo de ação busca evitar ou reparar dano a algum princípio básico da Constituição resultante de ato ou omissão do Poder Público. O ministro reconheceu a entidade, que congrega as organizações indígenas regionais e locais nacionalmente, como parte integrante e legítima do processo. É a primeira vez que isso acontece.
Não é possível prever quando e como será o resultado final do julgamento desta segunda. Sua conclusão pode ser marcada para outra data, se algum ministro pedir vistas ou o plenário do STF não conseguir terminar a análise do caso no mesmo dia. O fim do processo pode acontecer ainda na próxima semana, daqui semanas ou meses, dependendo da agenda da corte e da decisão de seu presidente. Os ministros podem votar a favor ou contra a liminar, total ou parcialmente. Nesse último caso, podem acatar ou rejeitar itens específicos da ação original. Representantes de organizações indígenas e indigenistas e órgãos de governo poderão falar a favor e contra a ação na qualidade de amici curiae (defensores da causa).
Veja quais são as medidas determinadas na liminar
- Instalação de grupo de trabalho, com participação de representantes do governo e dos indígenas, para acompanhar o andamento das ações gerais de combate à pandemia;
- Instalação de sala de situação para a gestão de ações para os povos indígenas em isolamento e de recente contato;
- No prazo de 10 dias contados a partir da notificação da decisão, o governo deve criar barreiras sanitárias em terras de povos isolados;
- Em 30 dias a partir da notificação da decisão, o governo deve elaborar um Plano de Enfrentamento da Covid-19;
- Estabelecer, no âmbito do Plano de Enfrentamento, medidas de contenção e isolamento de invasores em relação a terras indígenas;
- Garantir que indígenas em aldeias tenham acesso ao Subsistema Indígena de Saúde, independente da fase de demarcação da TI;
- Indígenas não aldeados (urbanos) também devem acessar o subsistema de Saúde Indígena caso não haja oferta no SUS.
Fonte: Assessoria de Comunicação da Apib