Guerra civil na Etiópia confronta Nobel da Paz e etnia Tigray

Paulo Borba Casella explica que a Constituição etíope prevê o direito de autodeterminação dos povos e acredita que a melhor forma de interferência de outros países é por meio da ONU

Eleição proibida pela pandemia em Tigray foi realizada e tornou-se um dos fatores de tensão entre o governo federal e o partido que defende a libertação do norte da Etiópia.

Recentemente, estourou um conflito violento na Etiópia, envolvendo as forças do primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed Ali, e a etnia local Tigray. O conflito já deixou centenas de mortos, incluindo civis. A cobertura do conflito pela imprensa é dificultada pela proibição da entrada de jornalistas. Além disso, houve interrupção nos serviços de internet e comunicação do país e faltam remédios para a população. O governo alega ter cortado a internet da região, há dias, para evitar fraudes no vestibular.

Segundo país mais populoso da África, a Etiópia fica no Chifre da África, região de alto interesse de grandes potências por possuir uma grande quantidade de petróleo. Países como EUA e China têm bases militares instaladas na região.

Paulo Borba Casella, professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito (FD) da USP, acredita que a melhor forma de interferência de outros países na guerra é por meio de um encaminhamento para discussão no Conselho de Segurança da ONU, para que haja uma multilateralidade na tentativa de solução do conflito. “É melhor do que deixar EUA, Rússia, China chegarem e darem as cartas na região”, diz o professor.

O professor citou o exemplo traumático da Líbia, que foi invadido por vários países, sem debate multilateral, que derrubaram o governo de Muamar Kadafi, deixando o país numa situação que não consegue se reerguer.

Nobel da Guerra

Essa guerra é promovida pelo vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2019, o primeiro-ministro da Etiópia. Na ocasião, Abiy Ahmed Ali foi reconhecido por seus esforços em acabar pacificamente com o conflito da Etiópia contra a Eritreia. Casella acredita que o encaminhamento da guerra justamente por esse líder político “é uma grande contradição”. Ali também é representativo da diversidade religiosa do país, por ser filho de muçulmano com cristã, além dos pais serem das duas principais etnias do país (oromo e amhara).

O conflito conta com um histórico de tensões entre Abiy Ali e a etnia Tigray. Após ser eleito primeiro-ministro, em 2018, ele dissolveu o sistema federalista etíope, o que tirou força do partido historicamente dominante, Frente de Libertação Popular (FLPT), que é um partido nacionalista ligado aos Tigray. O governante tirou nomes importantes da FLPT do governo quando dissolveu a coalizão multiétnica que existia no país.

Além disso, outro fator que motivou o início do conflito aconteceu quando o povo Tigray fez eleições regionais mesmo após o governo central decretar que elas seriam adiadas por conta da pandemia. O governo etíope afirmou que as eleições foram ilegais. Ou seja, analisa o especialista, trata-se de uma disputa por reordenação de poder.

Casella destaca que “a Constituição etíope prevê o direito de autodeterminação dos povos, o que pode chegar até a secessão, ou seja, quando um grupo se separa de um Estado para criar outro independente”. Para ele, caso a etnia Tigray reivindicasse a separação da Etiópia, haveria uma votação e procedimentos para a aprovação do pedido.

“Mas, provavelmente, se isso chegar a ser cogitado, vai encontrar resistência e tentativa de persuasão. É algo que está na Constituição, mas é preciso ver se isso funciona na prática”, pontua o especialista.

Edição de entrevista à Rádio USP

Autor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *