Estudo analisa êxito de líderes mulheres no combate à pandemia
Empatia, aversão ao risco e preocupação com a saúde possivelmente nortearam políticas públicas que resultaram em menores taxas de mortes e contaminação por covid-19
Publicado 07/04/2021 23:01
Um trabalho revisional de artigos publicados em periódicos científicos internacionais buscou compreender por que países liderados por mulheres tiveram respostas mais eficazes no combate à pandemia do que os governados por homens. Há evidências de que empatia, aversão ao risco e preocupação com a saúde são algumas das diferenças sexuais em características psicológicas identificadas nas gestoras que, possivelmente, as levaram a ter mais sucesso. O estudo foi conduzido por psicólogos evolucionistas do Instituto de Psicologia (IP) da USP e da University of Auckland, Nova Zelândia.
Na iminência de surtos da doença, gestoras de países como Alemanha, Nova Zelândia, Taiwan e Noruega reagiram rapidamente, implementando medidas restritivas, campanhas de orientação à população e foram mais empáticas em seus pronunciamentos, resultando em menores taxas de casos e mortes por covid-19, relata ao Jornal da USP o psicólogo evolucionista Marco Antonio Corrêa Varella, pós-doutorando do Departamento de Psicologia Experimental do IP. O artigo de revisão foi publicado na Frontiers in Psychology: “Pandemic Leadership: Sex Differences and Their Evolutionary–Developmental Origins”.
A revisão abarcou os primeiros meses da pandemia e teve como base o total de casos e mortes por covid-19 até o dia 19 de maio de 2020. A associação entre o sexo dos líderes políticos e a variação nas respostas no enfrentamento da pandemia foi avaliada em 194 países, sendo 19 com mulheres no comando. Neste período, Bangladesh, Barbados, Bélgica, Bolívia, Dinamarca, Eslováquia, Estônia, Etiópia, Finlândia, Gabão, Alemanha, Grécia, Islândia, Myanmar, Namíbia, Nepal, Nova Zelândia, Noruega, Sérvia, Singapura, San Marin, Suíça, Taiwan e Togo estavam sendo governados por mulheres.
Minimizar sofrimento humano
As pesquisas sobre as primeiras atuações de lideranças no início da pandemia indicaram que líderes femininas estiveram mais focadas em minimizar o sofrimento humano causado pelo vírus sars-cov-2, enquanto líderes masculinos se preocuparam mais em criar políticas que impactassem menos a atividade econômica. A escolha de políticas com base na empatia resultou em menores taxas de mortes em países governados por líderes mulheres.
Dentre os artigos analisados, um estudo verificou que 63% dos países liderados por mulheres, contra 50% dos liderados por homens, lançaram campanhas de informação coordenadas uma semana antes do primeiro caso confirmado de covid-19. Outro trabalho feito em 159 países descobriu que países liderados por mulheres tinham taxas de letalidade médias mais baixas em relação aos comandados por homens.
As análises também apontaram que alguns dos líderes que tiveram respostas mais humanitárias eram mulheres (por exemplo, Jacinda Ardern, na Nova Zelândia, Katrín Jakobsdóttir, na Islândia, Sanna Marin, na Finlândia), enquanto as propostas indiferentes ou mesmo imprudentes tinham sido feitas por líderes masculinos (Jair Bolsonaro, no Brasil, Stefan Löfven e o epidemiologista estadual Nils Anders Tegnell, na Suécia). Varella ressalta que o desempenho desastroso do Brasil na pandemia não foi só pelo fato de o presidente ser homem. “Existem lideranças masculinas que tiveram boa condução da pandemia e outros que abandonaram o negacionismo e a inviável meta de imunidade de rebanho para seguir a ciência”, diz.
Diferenças psicocomportamentais entre os sexos
Varella explica que existe uma cognição evoluída na mente humana responsável por processar as decisões sobre liderança. Essa capacidade mental é universal, está presente em outras espécies e foi muito importante para coordenar melhor as ações tribais ancestrais. Nesse sistema mental sobre liderança existe uma diferença sexual: as mulheres, em média, apresentam um estilo de liderança voltado para o relacionamento interpessoal e tendem a ser líderes mais comunais, intuitivas, sensíveis e empáticas; enquanto os homens apresentam, em média, um estilo de liderança voltado para as tarefas. Eles são mais constantes e inflexíveis nas condutas. Enquanto elas preferem status e serem amadas, eles preferem poder e serem temidos. Esse conjunto de diferenças sexuais no estilo de liderança está bem alinhado à melhor condução governamental feminina da pandemia.
Empatia, foco em pessoas, aversão aos riscos e atentas à saúde
Para o pesquisador, outro conjunto de capacidades psicológicas que difere entre homens e mulheres e evoluiu por contribuir para a sobrevivência e reprodução diferencial nos ambientes ancestrais pode estar relacionado ao sucesso feminino na pandemia, diz.
Em geral, homens se arriscam mais, são mais competitivos, têm menor nojo e baixo cuidado com a saúde, são mais focados em objetos do que pessoas, têm menor inteligência emocional, são mais narcisistas, maquiavélicos e têm maior psicopatia (subclínica) do que as mulheres. Elas, por sua vez, são em média mais empáticas, focadas em pessoas, hipervigilantes e ansiosas quanto a perigos, têm aversão ao risco, têm maior nojo e aversão a patógenos e à contaminação, têm maior atenção com a saúde própria e alheia, vocação para cuidar e atuar na área da saúde, e têm maior preocupação com o sofrimento e com o bem-estar financeiro das pessoas.
Segundo o pesquisador, essas diferenças psicológicas podem não só ajudar a explicar o sucesso feminino na liderança pandêmica, mas também a explicar por que as mulheres, em geral, usam mais máscara, ficam mais em casa e respeitam mais do que os homens as restrições e recomendações epidemiológicas para diminuir a transmissão viral.
Abordagem evolutiva e do desenvolvimento para as diferenças sexuais
No artigo, os autores indicam dois níveis para explicar as origens dessas diferenças sexuais na psicologia humana: o primeiro diz respeito ao desenvolvimento do indivíduo ao longo de sua vida, que vai desde a concepção, passando pelo período embrionário, infância, adolescência, puberdade e vida adulta, até chegar ao envelhecimento. Um dos fatores mais determinantes neste primeiro nível é a ação da testosterona, hormônio que, ao longo dessas fases, vai deixando a mente animal (incluindo a humana) mais masculinizada. Varella lembra que as fêmeas também possuem testosterona, mas em quantidade menor, e que os indivíduos não são todos iguais, pois existe grande variação dentro de cada sexo.
O segundo nível é o evolutivo. “Durante a evolução das espécies no passado ancestral, a seleção sexual era o processo em que os indivíduos competiam para atrair, defender e manter os parceiros reprodutivos”, relata Varella. Nesta fase, um dos fatores determinantes na diferença sexual era o nível de investimentos parentais de cada sexo, ou seja, quem investia mais tempo e energia no cuidado da prole (gestação, amamentação e criação), por ter mais a perder, era mais criterioso na escolha de parceiro, mais cuidadoso, empático, e se arriscava menos, enquanto o sexo que investia menos na prole era mais competitivo, se arriscava mais, era mais violento, promíscuo e cuidava menos de si e dos outros.
Marco Corrêa Varella, pós-doutorando do Instituto de Psicologia da USP e um dos autores do artigo publicado na Frontiers in Psychology – Foto: Arquivo pessoal
Os pesquisadores lembram ainda que os fatores sociais podem modular essas tendências ampliando ou diminuindo as diferenças sexuais. Entretanto, o foco da revisão foi justamente nos fatores evolutivos (investimento parental) e hormonais (andrógenos).
Por fim, os psicólogos sustentam que fatores biológicos (hormonais e evolutivos), ecológicos (frequência de conflitos e epidemias passadas) e socioculturais (tradições e normas sociais locais) estão todos conectados influenciando a condução governamental da atual pandemia. Defendem a necessidade de aumento da representatividade feminina na política, visto que homens e mulheres diferem na liderança em crises, e que essas diferenças podem ser aproveitadas para potencialmente beneficiar sociedades inteiras.
Do Jornal da USP